terça-feira, 30 de outubro de 2012

O recurso hierárquico necessário tornou-se desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?

(Nota: o presente texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.)

Nos dias de hoje, atingida a etapa que o Prof. Vasco Pereira da Silva denomina por Confirmação ou Crisma do Contencioso Administrativo, associado ao surgimento do modelo de Estado pós-social, a reafirmação da natureza jurisdicional do mesmo parece inquestionável, demonstrada na efectiva tutela dos interesses dos particulares.

 
Porém, ultrapassados os tempos do administrador-juiz, é curioso saber em que situação ficam as exigências do esgotamento prévio das garantias administrativas, nomeadamente do recurso hierárquico necessário, como condição fulcral de acesso aos tribunais, um dos reflexos do “traumas de infância” do Contencioso[1].

 

O papel da Reforma…

Centremo-nos agora no recurso hierárquico necessário previsto nos art.167º CPA[2]. No fundo, este consiste numa burocracia de esforços por parte do particular, e até mesmo da administração, no sentido de reapreciar uma decisão para que esta, só posteriormente, possa ser alvo de efectiva tutela jurisdicional feita pelos tribunais administrativos e não pelos órgãos da administração.
 
Porém, com a reforma a determinação da impugnabilidade dos actos administrativos é feita em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, afastando a exigência do recurso hierárquico necessário[3] – art.51º CPTA[4].
 
De modo muito sucinto, como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, e referia mesmo antes da reforma, podemos encontrar no recurso hierárquico necessário alguns traços de inconstitucionalidade[5], derivados da violação dos princípios da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art.268º/4 CRP[6]), da efectividade da tutela (art.268º/4 CRP; art.168º/2 CPA), da separação entre Administração e Justiça (arts.114º, 205º e ss., 266º e ss. CRP) e da desconcentração administrativa (art.267º/2 CRP e 142º CPA).

Em síntese, antes da reforma o recurso hierárquico era a condição de acesso à justiça administrativa, o que poderia dificultar a tutela jurisdicional, uma vez que, entre outras coisas, os prazos eram demasiado curtos para a interposição do recurso hierárquico.

 


Nos dias de hoje…

Com o surgimento do CPTA, não me parece abusivo considerar que há um “descolar” definitivo da “necessidade” do recurso hierárquico como condição ou pressuposto de impugnação contenciosa dos actos da Administração. Como reforço desta ideia, recorde-se o que foi dito tendo em conta o referido art.51º CPTA.

Por outro lado, como sustenta o Prof. Paulo Otero, a reforma “acaba por transformar a impugnação administrativa facultativa em impugnação recomendável”[7]. Ou seja, se analisarmos o art.59º/4 CPTA verificamos que é atribuído um efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa devido à utilização de garantias administrativas – como o recurso hierárquico. Bem analisada a situação, o que ocorre é uma maior eficácia das garantias administrativas, conferindo-lhes um sentido útil, caso o particular a decida fazer valer, ou seja, não há, de modo nenhum, um “esvaziar” da figura do recurso hierárquico.


No fundo, o recurso hierárquico deixa de ser um requisito obrigatório, tornando-se, assim, desnecessário, mas, por outro lado, torna-se útil, uma vez que a sua utilização traz vantagens ao particular. Por outras palavras, as “garantias administrativas passaram a ser facultativas, delas deixando de depender o acesso à justiça”[8]. Com isto, o que se pretende é favorecer a utilização das vias administrativas, por parte dos particulares, com o intuito de resolver situações que por via contenciosa seriam mais dispendiosas, incómodas e morosas.

É de referir, também, um outro argumento legal que sustenta a posição do Prof. Vasco Vieira da Silva, que é a solução apresentada pelo art.59º/5 CPTA. Esta disposição legal afasta por completo a necessidade do recurso hierárquico, uma vez que prevê a possibilidade do particular aceder de imediato à via contenciosa, passando a não ser necessário esperar pela resposta da administração para impugnar contenciosamente o acto administrativo, ou seja, permite-se a pendência paralela da mesma acção por via administrativa e contenciosa.
 
Contudo, há doutrina e alguma jurisprudência que persiste em fazer resistência a esta nova visão do recurso hierárquico necessário.

Por exemplo, o Prof. Mário Aroso de Almeida[9] defende uma interpretação restritiva do regime acima referido, afirmando que apenas a regra geral do CPA foi revogada pelo novo regime de impugnação de actos do CPTA, propondo, assim, a tese de que todos os recursos hierárquicos necessários contemplados em legislação avulsa com regras especiais permaneçam em vigor, tentando, assim, manter a sua aplicabilidade. Deste modo, para o Prof. Aroso de Almeida as decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei e não tenha sido revogado por expressa disposição.
 
Porém, também aqui me parece que o Prof. Vasco Pereira da Silva encontra argumentos para reforçar o seu pensamento. Isto porque, em resposta à posição anterior, alerta para o carácter anterior das previsões especiais de recurso hierárquico necessário, como sendo uma mera repetição da regra geral e não regras “especiais”. Seguidamente, a revogação da regra geral que as consagrava leva, igualmente, à extinção destas normas “especiais”. Ou seja, apenas novas previsões de recurso hierárquico necessário é que seriam verdadeiramente especiais em relação à regra geral, mas, também estas, não teriam aplicabilidade por inutilidade e inconstitucionalidade[10].

 

Cumpre tomar posição…

1)             É um facto que a revisão constitucional de 1989, passou a garantir a impugnabilidade de todos os actos administrativos lesivos, independentemente do carácter definitivo e executório dos mesmos - art.268º/ 4 CRP.

Acresce a este dado que a Reforma do Processo Administrativo de 2004 veio trazer a impugnabilidade de actos administrativos com eficácia externa, lesivos de direitos dos particulares, não consagrando qualquer exigência de recurso hierárquico necessário - art.51º/ 1 do CPTA).

Contudo, e baseando-me em alguma jurisprudência[11], parece-me, com o merecido respeito, que a alteração do regime se deve mais a uma evolução demonstrativa do “crescimento efectivo” do Contencioso Administrativo, do que a inconstitucionalidades.

 

2)                  Será possível que surjam, actualmente, novas normas avulsas que prevejam o recurso hierárquico necessário?

Primeiramente, com a devida vénia que parte da doutrina me merece, nomeadamente o Prof. Aroso de Almeida, parece-me que o argumento da especialidade das normas avulsas relativamente à regra geral do CPA não pode colher proveito, uma vez que essas regras especiais avulsas não faziam mais do que repetir aquilo que até à reforma era a regra geral e uma vez revogada a norma que lhes servia de sustento, todas as outras deixam de fazer sentido.

Por outro lado, não consigo estender a rejeição absoluta do recurso hierárquico necessário a toda e qualquer lei superveniente.

Assim, e com toda a consideração que o Professor me merece, penso que podem surgir situações em que se possa admitir a previsão do esgotamento prévio de meios graciosos por particular a título excepcional, quando objectivamente justificada, não contrariando por esta razão os princípios constitucionais – máxime, na linha do disposto no art.18º/ 2 CRP.

Isto porque, na minha óptica, não se trata de impedir acesso à impugnação contenciosa, mas antes de estabelecer um requisito procedimental acrescido para o efeito, como instrumento de racionalização dos meios judiciais e de economia processual, uma vez que o litígio poderá ser resolvido sem recorrer ao tribunal.

Porém, este meu entendimento de aceitação do recurso hierárquico necessário tem presente a distinção entre normas especiais e excepcionais. Ou seja, por tudo o que foi dito, não me parece aceitável, nem tão pouco razoável aceitar que uma nova lei especial possa prever o recurso hierárquico necessário, mas, ao invés, e nas condições expostas, poderá eventualmente acontecer numa lei excepcional.

 

3)                Em suma, na minha opinião, nos termos do actual CPTA, a lei tem vindo a acompanhar todo o crescimento do Direito Administrativo, alcançando agora aquilo que já era prenunciado desde há muito tempo.

Concluindo, e tendo sempre em vista a tutela efectiva dos direitos dos particulares, ao serviço dos quais a administração deve estar, o recurso hierárquico transformou-se, por via de regra, de necessário em útil.



Diogo Oliveira Gomes

19568



[1] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo  como “Direito Constitucional Concretizado” ou ainda por concretizar”?» in Ventos de mudança no novo contencioso administrativo, Coimbra, 2000.
[2] Código do Procedimento Administrativo.
[3] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, «De necessário a útil: a Metamorfose do Recurso Hierárquico no Novo Contencioso Administrativo», in Cadernos de Justiça Administrativa, nº47, Setembro/Outubro, 2004.
[4] Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA, «“Do Velho se Faz Novo”: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos», in “Temas e Problemas de Processo Administrativo”, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2ª Edição; Contudo, com oposição de parte da Doutrina, nomeadamente o Prof. Viera de Andrade.
[6] Constituição da República Portuguesa.
[7] Cit. PAULO OTERO, «Impugnações Administrativas», in Cadernos de Justiça Administrativa.
[8] Cit. VASCO PEREIRA DA SILVA, «“Do Velho se Faz Novo”: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos», in “Temas e Problemas de Processo Administrativo”, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2ª Edição
[9] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 2007; «As implicações do Direito Substantivo da Reforma do Contencioso Administrativo», in Caderno de Justiça Administrativa, nº34, Julho/Agosto, 2002.
[10] Violação dos princípios referidos supra.
[11]Ac. Supremo Tribunal Administrativo 045085 de 09-11-1999; Ac. Supremo Tribunal Administrativo 0701/09 de 11-03-2010; Ac. Tribunal Constitucional n.º 499/96 de 20 de Março de 1996; Ac. Supremo Tribunal Administrativo 01061/06 de 28-12-2006

domingo, 28 de outubro de 2012

Caso prático: âmbito de jurisdição


Nota 1: o presente texto NÃO é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico
Nota 2: Caso prático retirado do livro “O processo administrativo em Acção: caderno de trabalhos práticos de contencioso administrativo”,  do Prof. Vasco Pereira da Silva at all, UCP.

Caso:

Na sequência de acidente de viação causado por viatura do Ministério das Obras Públicas conduzida por António, Bento- que viu o seu carro destruído em consequência do sinistro- pretende propor acção de responsabilidade civil contra o Ministério. Tendo sido demandado no âmbito da jurisdição administrativa, o Ministério das obras Públicas fez agora saber; pela voz dos seus serviços jurídicos, não considerar competente para o julgamento da acção a ordem dos tribunais administrativos e fiscais, dado que, no seu entendimento, a culpa do acidente, a existir, é exclusivamente do motorista do Ministério. Alega ainda que , no momento do sinistro, António já não se encontrava no seu horário de expediente, estando,  assim, “por sua conta e risco”.

Questões:

1)      Qual a jurisdição competente para o julgamento do litígio?

2)      Imagine agora que a viatura sinistrada é propriedade da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A, estando a ser conduzida por um funcionário do Banco. Daria a mesma resposta?

Resolução:

Questão 1)

A justiça administrativa compreende a resolução das questões jurídico-administrativas, que sejam atribuídas à ordem judicial dos tribunais administrativos, conforme consta do art. 212º, nº3 da constituição, consagrando a cláusula geral da jurisdição administrativa, no entanto precisamos de analisar a delimitação legal, prevista no ETAF da jurisdição dos tribunais administrativos.

O prof. Vieira de Andrade analisa a questão de saber se o legislador consagrou uma reserva material absoluta de jurisdisção atribuída aos tribunais administrativos, numa dupla vertente, os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo e só estes poderão julgar questões desse âmbito.

Quanto à delimitação exclusiva dos tribunais administrativos como só podendo julgar questões do âmbito administrativo, admiti-se, na jurisprudência e na doutrina a resolução de litígios referentes à actividade da administração, ainda que respeitem a relações que incluem aspectos de direito privado, como é o exemplo da atribuição para julgar contratos privados da administração.

Quanto a exclusividade atribuída aos tribunais administrativos para julgar as matérias de direito administrativo, essa consubstancia uma reserva relativa, uma vez que há litígios decorrentes de relações administrativas que não cabem na jurisdição administrativa.

O âmbito da justiça administrativa definido na constituição incide sobre os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.

É possível estabelecer genericamente três critérios de apuramento das relações jurídicas administrativas: um critério subjectivo, que define a relação administrativa quando pelo menos uma das partes for uma autoridade administrativa ou um ente público revestido de estatuto especial.

O critério objectivo caracteriza a relação jurídica como aquela que se enquadra no direito administrativo, por normas caracterizadas tanto por consagrarem especiais poderes e deveres à administração como por assegurarem garantias de defesa aos particulares perante a administração

Segundo o critério funcional, a relação jurídica administrativa está presente quando uma das partes desempenha uma actividade  administrativa, exerce um poder administrativo ou actua no exercício da função administrativa.

Em suma, como refere o Prof. Vieira de Andrade, a relação jurídica administrativa é carecterizada por ser uma relação entre dois ou mais sujeitos, disciplinada por normas jurídicas de direito administrativo, das quais decorrem posições jurídicas, activas e passivas, que constituem o respectivo conteúdo.

O caso sub judice debruça-se sobre uma situação de responsabilidade civil extracontratual, ocorrida entre um particular e uma entidade administrativa.

O art. 4º, alínea g) do ETAF, elenca a matéria supra referida como sendo da jurisdição administrativa. Numa primeira análise,  podemos concluir que os tribunais administrativos seriam competentes para julgar a presente acção. Em termos gerais a acção deveria ser proposta no tribunal administrativo de círculo, territorialmente competente, (art. 44º nº 1 ETAF e art. 16º, do CPTA).

No entanto há duas situações a considerar, a primeira é analisar se o motorista se encontrava dentro do horário de expediente, portanto a exercer funções para a administração e por outro lado, cabe ainda analisar o Regime especifico da responsabilidade extracontratutal do Estado e demais entidades públicas, in casu, a Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.

No art. 1º, nº 3 do referido diploma, é referido que o mesmo tem aplicação aos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos que causem danos a terceiros no exercícios das funções administrativas e por causa desse exercício.

A  situação esplanada no caso em análise é dúbia, uma vez que não temos a informação se o motorista do Ministério estava ou não no exercício das suas funções, no seu horário de expediente.

Se fosse esse o caso, estaríamos perante uma relação jurídica administrativa, quer segundo um critério subjectivo, uma vez que a situação ocorreu entre um funcionário da administração e um particular, que é igualmente regida pelo direito administrativo, tendo os tribunais administrativos a jurisdição plena para julgar este litígio.

Por outro lado, o  ministério defende-se invocando o art. 8º, nº 2 da Lei 67/ 2007 responsabilidade solidárias das pessoas colectivas com os respectivos órgãos e funcionários, desde que no exercício das suas funções e por sua conta e risco, concluindo que a jurisdição competente para dirimir este conflitos é a dos tribunais judiciais, uma vez que o motorista não se encontrava ao serviço no ministério no momento do acidente.

Questão 2)

No caso do motorista estar ao serviço da Caixa Geral de Depósitos,  que é uma empresa pública e não um órgão da administração a configuração da situação é diversa. O art 1º, nº 5 da Lei 67/2007 refere que a mesmas só tem aplicação aos danos decorridos do exercício de funções administrativas.

Por outro lado, o art. 4º, alínea i) do ETAF, está igualmente excluído, uma vez que só abrange as entidades às quais tem aplicação o regime previsto na Lei supra referenciada.

Podemos então concluir, que o motorista da CGD não exerce qualquer função administrativa, pelo que não lhe é aplicável as normas de direito administrativo, sendo os tribunais judiciais aqueles que são competentes para dirimir o referido litígio.


Bibliografia:

Vieira de Andrade, J., “ A Justiça Administrativa”, 10ª edição, 2009, Almedina,

Fonseca, I., “Direito Processual Administrativo- Roteiro Prático”, 1ª Edição, 2008, Almeida & Leitão, Lda

 
Rita Ferreira
19839

sábado, 27 de outubro de 2012


Apresento em seguida algumas conclusões sobre a matéria das Partes no Processo Administrativo:

O Processo Administrativo só recentemente é um processo de partes.  Nem a administração nem o particular eram considerados partes, estavam em juízo para colaborar com o tribunal. A haver relação jurídica entre eles seria uma relação de sujeição, uma vez que o particulares encabeçava o papel de administrado. Era mesmo entendido que o tribunal e a administração é o mesmo, “o cumprimento preciso, inteligente, adequado, oportuno da lei” nas palavras do Professor Marcelo Caetano. A este propósito o Professor Vasco Pereira da Silva fala em promiscuidade entre Administração e Justiça.
Hoje, o artigo 6.º C.P.T.A. assegura a igualdade efectiva das partes, que se refere não só às possibilidades de intervenção no processo como à possibilidade de qualquer dos sujeitos processuais vir a ser sancionado pelo tribunal. São ainda estabelecidos os princípios da cooperação e da boa fé processual (8.º C.P.T.A.). A ideia de Partes no Processo Administrativo está subjacente à ideia de legitimidade constante nas regras comuns dos artigos 9.º e ss. C.P.T.A, como salienta o Professor Vasco Pereira da Silva “o critério é, agora o da atribuição de legitimidade, na relação processual, em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos, na relação jurídica substantiva”.

As Partes do Processo Administrativo (processo declarativo) são os sujeitos que nele figuram como autor e demandado(s), o autor formulando uma pretensão perante o tribunal e o demandado citado para contestar a petição que contra ele foi proposta. Regra geral que é importante reter é a de que os Tribunais Administrativos são competentes para dirimir litígios de natureza administrativa, ou seja, em que caiba a aplicação do Direito Administrativo, independentemente da natureza jurídica dos sujeitos envolvidos.
Quanto à legitimidade activa, a regra geral é de que é autor quem alegue ser parte na relação material controvertida (9.º/1 C.P.T.A.). No que respeita à legitimidade passiva, o critério é igualmente o da relação material controvertida, sendo parte o sujeito correspondente aos direitos subjectivos alegados pelo autor (10.º C.P.T.A.).


1.     Autor:

1.1: Particulares: trata-se de pessoas privadas, singulares ou colectiva. Dirigem-se ao tribunal alegando a violação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos (20.º e 268.º/4 e 5 C.R.P.).
Quanto aos direitos subjectivos é assegurada satisfação plena, o que não acontece nos casos de interesses legalmente protegidos: apenas permite ao interessado “aspirar à satisfação desse interesse”, nas palavras do Professor Mário Aroso de Almeida, uma vez que cabe apenas a consideração de normas e princípios aos quais as entidades públicas têm que atender, e não a intromissão na esfera do poder discricionário da Administração, quando haja lugar a ele.
O Professor Vasco Pereira da Silva defende que não há sentido em manter a distinção clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, uma vez que tal distinção está ligada à velha ideia de que os particulares não tinham direitos mas meros interesses. Assim o Professor defende que “todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos”, o particular tem uma vantagem sempre que uma norma jurídica não vise apenas o interesse público, mas de qualque forma conceda um “benefício de facto decorrente de um direito fundamental”. A distinçãoo entre estas três categorias resulta também da técnica jurídica de atribuiçãoo de posições de vantagens.

1.1.1: Quanto às acções de impugnação de actos administrativos é susceptível de ser autor apenas quem alega a ofensa de um direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, que alegue um interesse directo e pessoal (55.º/1 a) C.P.T.A.). Gozam igualmente de legitimidade as pessoas colectivas, nos termos do artigo 55.º/1 c) C.P.T.A..

1.2: Acção pública: é exercida por entidades públicas, no exercício de um dever de ofício. Caso do Ministério Público (55.º/1 b) C.P.T.A.) ou por outras entidades tais como as que constam do artigo 55.º/1 e), no caso de impugnação de actos administrativos. No que toca ao Ministério Público cabe ver os casos de legitimidade activa previstos no artigo 9.º/2 C.P.T.A., sendo que pode ainda dar continuidade a acções intentadas por particulares (62.º C.P.T.A.) e recorrer de toda e qualquer sentença de Tribunal Administrativo (141.º, 152.º e 155.º C.P.T.A.).

1.3: Acção popular: acções propostas por cidadãos, individualmente ou em grupo, em defesa de valores que interessam à comunidade, no gozo dos seus direitos civis e políticos, sem necessidade de respeitarem de forma individualizada a esses autores. Existem duas modalidades.
1.3.1: A primeira decorre do artigo 9.º/2 C.P.T.A., que é uma concretização do direito constitucional de acção popular (52.º/3 C.R.P.) A segunda corresponde à acção de impugnação popular de actos administrativos praticados pelos órgãos autárquicos (55.º/2 C.P.T.A.).

1.4: Litígios interadministrativos: processos desencadeados por entidades públicas contra outras entidades públicas, onde estão em confronto interesses estatutariamente atribuídos a diferentes entidades públicas. Sendo que as autarquias locais podem substituir os membros da sua comunidade nos termos do artigo 9.º/2 C.P.T.A..

1.5: Litigios intra-estaduais: um órgão de uma entidade pública pode impugnar uma decisão de outro órgão da mesma entidade, nos casos admitidos (55.º/1 d) C.P.T.A.).
Dada a multiplicidade de entidades públicas, o Professor Vasco Pereira da Silva refere a necessidade de relativizar a ideia de personalidade jurídica, de forma a permitir que os órgãos tenham capacidade jurídica própria.


2.     Demandado:

2.1: Entidades públicas: as acções são maioritariamente propostas contra entidades públicas para reagir a decisões ou providências adoptadas no exercício das funções administrativas que desempenham. Mas nem todas as acções propostas contra entidades públicas são administrativas.

2.2: Contra-interessados: são particulares que também têm de figurar no processo uma vez que são beneficiários da decisão tomada pela entidade pública demandada, uma vez que têm que ter oportunidade de participar (10.º, 57.º e 68.º C.P.T.A.).

2.3:Particular como demandado exclusivo: nos casos em que a acção é proposta por uma entidade pública, quando o particular seja destinatário de deveres emergentes de relações jurídicas reguladas pelo Direito Administrativo e a entidade não consiga fazer valer os seus direitos sem ser por via judicial.

3. O processo pode mesmo ter como partes apenas privados: seja porque a um dos particulares foi confiado o exercício de poderes públicos, praticando actos que a lei equipara a actos administrativos (51.º/2 e 100.º/3 C.P.T.A.), seja porque um particular reage contra outro, que actua em violação de deveres que resultem de normas, actos ou contratos administrativos, desde que tenha sido solicitada a intervenção de autoridades administrativas que não impediram a situação (37.º/3 e 109.º/2 C.P.T.A.).

 4. Até aqui foi tratada a questão das relações bilaterais, salvo uma breve referência ao artigo 57.º, mas é necessário assinalar que existem ainda relações de coligação (12.º C.P.T.A.) e  processos em massa (48.º C.P.T.A.).

Raquel de Matos Esteves
n.º 18362

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Interpretação do artigo 95/2º do CTPA: A causa de Pedir


 O Objecto processual é composto pelo pedido e pela causa de pedir, sendo que no processo administrativo existem duas teorias com concepções diferentes sobre essas figuras, uma primeira, a teoria processualista afirma que o objecto é determinado por tudo aquilo que for trazido a tribunal, independentemente das pretensões dos particulares. Já a teoria substancialista diz que o que releva para o objecto são as pretensões do autor e não os factos trazidos a juízo. 
Quando à causa de pedir existem novamente duas teorias que tentam delimitar aquilo que o autor deve alegar para ver a sua pretensão satisfeita: a primeira é a teoria objectivista, defendida pela doutrina clássica, dizendo que o que revela para a determinação da causa de pedir são as alegações do autor referentes ao acto administrativo, nomeadamente quando a saber qual é o tipo de invalidade que o acto enferma, ou seja, a ilegalidade da actuação administrativa. (Para mais  desenvolvimentos "José Viera de Andrade - "Justiça Administrativa (Lições)" páginas 210-211.) A segunda é a teoria Subjectivista que configura a causa de pedir na sua ligação com os direitos dos particulares, a causa de pedir não é uma ilegalidade absoluta, mas uma ilegalidade relativa relacionada com o direito subjectivo lesado, tendo sempre de se verificar a "conexão de ilegalidade" entre a ilegalidade da actuação administrativa e o direito subjectivo violado, ou seja, não interessa a ilegalidade sem mais, interessa na medida em que afecta os particulares. 
A reforma introduziu um contencioso de matriz subjectivista (268/2º CRP - prevê uma tutela efectiva dos direitos dos particulares). O professor Vasco Pereira da Silva diz que a causa de pedir deve ser determinada em razão das pretensões dos sujeitos e da conexão de ilegalidade.
O legislador introduziu na reforma o artigo 95º do CPTA, segundo o qual o Tribunal deve decidir de todas as questões (e só aquelas) que as partes tenham submetido à sua apreciação . Resta saber qual foi o motivo do legislador para introduzir o 95/2ºCPTA:
O professor Vasco Pereira da Silva afirma que o objectivo da norma é fazer com que o julgador aprecie a integralidade dos direito alegados pelo particular, evitando que o juiz olhe só para a primeira invalidade inquinando todo o processo, o que poderia por em causa a protecção plena dos interesses dos particulares
e o principio da promoção do acesso à justiça. Ou seja o 95/2º é uma ampliação dos poderes do juiz, no entanto tem de ser visto com limitações, já que o juiz deve identificar causas de invalidade dos actos administrativos invocados pelas partes e não outras invalidades praticadas pela administração  Além disso o juiz pode qualificar diferentemente os factos. Em suma, o juiz pode identificar ilegalidades diversas daquelas que foram identificadas pelas partes, o que não deve ser confundido com a adopção de uma concepção objectivista. 
O professor Mário Aroso de Almeida segue a teoria do direito reactivo, dizendo que o particular tem um direito subjectivo correspondente à lógica da ilegalidade do acto da administração, enquadrando-se no sentido objectivista, reconduzindo o direito subjectivo do particular perante a actuação administrativa a numa "pretensão anulatória" dirigida à anulação do acto impugnado da ordem jurídica e, com ele, à cessação da situação de perturbação por ele causada, dai que a sua interpretação do artigo 95/2º CPTA seja
 a de que o juiz não tem de conhecer só o que é alegado pelas partes, mas todas as causas de invalidade.
A posição preferível é a do professor Vasco Pereira da Silva sendo que a lógica do artigo 95/2º é a de conhecimento integral do objecto do processo atendendo aquilo que é invocado pelas partes, o juiz no processo se se deparar com uma ilegalidade orgânica ou formal que o inquine, tem de ver todos os vícios de ilegalidade material do processo invocados pelos particulares, evitando que exista uma repetição do processo e que a administração possa alterar a ilegalidade do acto.
Adriana Isaque Nº19451

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Companhia aérea Aerovip reclama em tribunal 800 mil euros ao Estado

Lusa23 Out, 2012, 14:07
A companhia aérea Aerovip vai avançar com uma ação em tribunal contra o Estado para reclamar o pagamento de cerca de 800 mil euros relativos ao serviço prestado na carreira aérea Bragança/Lisboa, disse hoje fonte da empresa.
 
A verba em causa diz respeito, segundo o consultor da Aerovip, Carlos Amaro, ao período de cerca de quatro meses em que a empresa esteve a operar após o fim da concessão e o visto do Tribunal de Contas (TC) para o contrato de prorrogação do serviço.
A ligação aérea entre Bragança, Vila Real e Lisboa é assegurada através de concursos públicos de concessão realizados de dois em dois anos.
A última concessão expirou em janeiro e o Governo decidiu prorrogar o contrato com a Aerovip, que termina a 27 de novembro. Entretanto, deveria ter sido lançado um novo concurso público, o que ainda não aconteceu.
Carlos Amaro referiu que, após o fim do contrato em janeiro, a empresa, "a pedido do secretário de Estado dos Transportes, não parou a operação", mantendo os voos com normalidade.
Só que o TC demorou três meses a passar o visto do contrato de prorrogação do serviço, pelo que este só foi firmado a 27 de abril. E é, relativamente a este período de quatro meses, que, segundo o responsável, a secretaria de Estado entende que não deve pagar.
A companhia mostrou-se disposta a reduzir o prazo do contrato, que é de sete meses, para apenas mais três meses, mas incluindo os quatro de serviço prestado desde o início do ano. A resposta do Governo foi negativa.
Por isso mesmo, a empresa vai interpor uma ação no Tribunal Administrativo contra o Estado, reclamando o pagamento de cerca de 800 mil euros, o equivalente ao custo da operação nos moldes em que está contratualizado.
"Foi o Estado que nos pediu que não se interrompesse a operação. Toda a gente pediu que não se interrompesse a operação e agora ninguém quer pagar", sublinhou Carlos Amaro.
O responsável referiu que a Aerovip se recusa agora a prolongar o serviço para além do prazo estipulado, sem que haja abertura de um concurso público internacional.
"O que vai acontecer é que, inevitavelmente, a operação vai terminar, as pessoas vão ser despedidas e vai desmontar-se a operação toda", salientou.
Há cerca de um mês que a agência Lusa solicitou esclarecimentos ao Ministério da Economia sobre a carreira área transmontana, não obtendo qualquer resposta até ao momento.
"Garantem-me que o tipo de solução envolverá uma mudança de paradigma e que o tempo que resta é suficiente para ter tudo pronto a tempo e horas", afirmou o presidente da Câmara de Vila Real, Manuel Martins, à Lusa.
Atualmente, o Estado subsidia a carreira aérea transmontana com 2,5 milhões de euros anuais, valor que é variável conforme a taxa de ocupação, já que quantos mais passageiros viajarem nesta linha menor é a comparticipação estatal.
O autarca não quis adiantar quais as soluções que poderão estar em cima da mesa, mas referiu que, se fosse para lançar um novo concurso nos termos do anterior, se corria o risco de ficar alguns meses sem transporte.
O presidente social-democrata defendeu que a linha aérea Bragança-Vila Real-Lisboa "é tão importante ou mais do que uma autoestrada e praticamente sem os problemas de conservação e manutenção".
 
Inês Ribeiro
Nº 21097