Nota 1: o presente texto NÃO é escrito ao abrigo do novo acordo
ortográfico
Nota 2: Caso prático retirado do livro “O processo administrativo em Acção: caderno de trabalhos práticos de
contencioso administrativo”, do
Prof. Vasco Pereira da Silva at all, UCP.
Caso:
Na sequência de acidente de
viação causado por viatura do Ministério das Obras Públicas conduzida por
António, Bento- que viu o seu carro destruído em consequência do sinistro-
pretende propor acção de responsabilidade civil contra o Ministério. Tendo sido
demandado no âmbito da jurisdição administrativa, o Ministério das obras
Públicas fez agora saber; pela voz dos seus serviços jurídicos, não considerar
competente para o julgamento da acção a ordem dos tribunais administrativos e
fiscais, dado que, no seu entendimento, a culpa do acidente, a existir, é
exclusivamente do motorista do Ministério. Alega ainda que , no momento do
sinistro, António já não se encontrava no seu horário de expediente,
estando, assim, “por sua conta e risco”.
Questões:
1) Qual
a jurisdição competente para o julgamento do litígio?
2) Imagine
agora que a viatura sinistrada é propriedade da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A,
estando a ser conduzida por um funcionário do Banco. Daria a mesma resposta?
Resolução:
Questão 1)
A justiça administrativa
compreende a resolução das questões jurídico-administrativas, que sejam
atribuídas à ordem judicial dos tribunais administrativos, conforme consta do
art. 212º, nº3 da constituição, consagrando a cláusula geral da jurisdição
administrativa, no entanto precisamos de analisar a delimitação legal, prevista
no ETAF da jurisdição dos tribunais administrativos.
O prof. Vieira de Andrade analisa
a questão de saber se o legislador consagrou uma reserva material absoluta de
jurisdisção atribuída aos tribunais administrativos, numa dupla vertente, os
tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo
e só estes poderão julgar questões desse âmbito.
Quanto à delimitação exclusiva
dos tribunais administrativos como só podendo julgar questões do âmbito
administrativo, admiti-se, na jurisprudência e na doutrina a resolução de
litígios referentes à actividade da administração, ainda que respeitem a
relações que incluem aspectos de direito privado, como é o exemplo da
atribuição para julgar contratos privados da administração.
Quanto a exclusividade atribuída
aos tribunais administrativos para julgar as matérias de direito
administrativo, essa consubstancia uma reserva relativa, uma vez que há litígios
decorrentes de relações administrativas que não cabem na jurisdição
administrativa.
O âmbito da justiça
administrativa definido na constituição incide sobre os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas.
É possível estabelecer
genericamente três critérios de apuramento das relações jurídicas
administrativas: um critério subjectivo, que define a relação administrativa
quando pelo menos uma das partes for uma autoridade administrativa ou um ente
público revestido de estatuto especial.
O critério objectivo caracteriza a
relação jurídica como aquela que se enquadra no direito administrativo, por
normas caracterizadas tanto por consagrarem especiais poderes e deveres à
administração como por assegurarem garantias de defesa aos particulares perante
a administração
Segundo o critério funcional, a
relação jurídica administrativa está presente quando uma das partes desempenha
uma actividade administrativa, exerce um
poder administrativo ou actua no exercício da função administrativa.
Em suma, como refere o Prof.
Vieira de Andrade, a relação jurídica administrativa é carecterizada por ser
uma relação entre dois ou mais sujeitos, disciplinada por normas jurídicas de
direito administrativo, das quais decorrem posições jurídicas, activas e
passivas, que constituem o respectivo conteúdo.
O caso sub judice debruça-se sobre uma situação de responsabilidade civil
extracontratual, ocorrida entre um particular e uma entidade administrativa.
O art. 4º, alínea g) do ETAF,
elenca a matéria supra referida como sendo da jurisdição administrativa. Numa
primeira análise, podemos concluir que
os tribunais administrativos seriam competentes para julgar a presente acção.
Em termos gerais a acção deveria ser proposta no tribunal administrativo de
círculo, territorialmente competente, (art. 44º nº 1 ETAF e art. 16º, do CPTA).
No entanto há duas situações a
considerar, a primeira é analisar se o motorista se encontrava dentro do
horário de expediente, portanto a exercer funções para a administração e por
outro lado, cabe ainda analisar o Regime especifico da responsabilidade
extracontratutal do Estado e demais entidades públicas, in casu, a Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.
No art. 1º, nº 3 do referido
diploma, é referido que o mesmo tem aplicação aos titulares de órgãos,
funcionários e agentes públicos que causem danos a terceiros no exercícios das
funções administrativas e por causa desse exercício.
A situação esplanada no caso em análise é dúbia,
uma vez que não temos a informação se o motorista do Ministério estava ou não
no exercício das suas funções, no seu horário de expediente.
Se fosse esse o caso, estaríamos
perante uma relação jurídica administrativa, quer segundo um critério
subjectivo, uma vez que a situação ocorreu entre um funcionário da
administração e um particular, que é igualmente regida pelo direito
administrativo, tendo os tribunais administrativos a jurisdição plena para
julgar este litígio.
Por outro lado, o ministério defende-se invocando o art. 8º, nº
2 da Lei 67/ 2007 responsabilidade solidárias das pessoas colectivas com os
respectivos órgãos e funcionários, desde que no exercício das suas funções e
por sua conta e risco, concluindo que a jurisdição competente para dirimir este
conflitos é a dos tribunais judiciais, uma vez que o motorista não se
encontrava ao serviço no ministério no momento do acidente.
Questão 2)
No caso do motorista estar ao
serviço da Caixa Geral de Depósitos, que
é uma empresa pública e não um órgão da administração a configuração da situação
é diversa. O art 1º, nº 5 da Lei 67/2007 refere que a mesmas só tem aplicação
aos danos decorridos do exercício de funções administrativas.
Por outro lado, o art. 4º, alínea
i) do ETAF, está igualmente excluído, uma vez que só abrange as entidades às
quais tem aplicação o regime previsto na Lei supra referenciada.
Podemos então concluir, que o
motorista da CGD não exerce qualquer função administrativa, pelo que não lhe é
aplicável as normas de direito administrativo, sendo os tribunais judiciais
aqueles que são competentes para dirimir o referido litígio.
Bibliografia:
Vieira de Andrade, J., “ A
Justiça Administrativa”, 10ª edição, 2009, Almedina,
Fonseca, I., “Direito Processual
Administrativo- Roteiro Prático”, 1ª Edição, 2008, Almeida & Leitão, Lda
Rita Ferreira
19839
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