É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva
dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos incluindo, nomeadamente,
a adopção de medidas cautelares adequadas (artigo 268º, nº4, da Constituição –
CRP).
Concretizando o direito à tutela jurisdicional efectiva, o
artigo 112º do CPTA, na esteira do princípio de que a todo o direito ou
interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos
tribunais administrativos, prevê a concessão de todas e quaisquer providências
antecipatórias ou conservatórias adequadas a assegurar o efeito útil da
sentença a proferir no processo principal (artigo 2º, nº2, al.m) do CPTA).
O regime aplicável aos processos cautelares encontra-se no
Título V do CPTA, a que correspondem os artigos 112º a 134º. É de notar que o
artigo 112º consagra uma cláusula aberta, abrindo caminho a todo o tipo
de providências adequadas a garantir a utilidade da sentença a proferir no
processo principal. A cláusula geral inserta no n.º 1 do artigo 112.º do
C.P.T.A. é reforçada no n.º 2 da mesma disposição legal, sendo as providências
ali especificadas indicadas a título exemplificativo.
Diz-nos o artigo 112º, nº1 do CPTA que quem possua legitimidade
para intentar um processo (principal) junto dos tribunais administrativos pode
solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares que se
mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo
(112º, nº1, do CPTA).
Os critérios normais
de decisão do julgador cautelar estão estabelecidos no artigo 120º do CPTA,
artigo que irei apresentar de seguida:
1) Deste artigo
120º podemos retirar que as medidas cautelares previstas no CPTA são um meio de
evitar que o tardio julgamento do processo principal não determine a
inutilidade da sentença nele proferida e, consequentemente, impedir que o
requerente fique numa situação de facto consumado ou numa situação em que os
prejuízos sofridos sejam de tal modo profundos que inviabilizem a possibilidade
de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.
2) Quando
estejamos perante uma situação do artigo 120º, nº6 CPTA, ou seja, quando no
processo no processo principal esteja em causa o pagamento de quantia certa,
sem natureza sancionatória, as providências cautelares serão adoptadas se, em
incidente apensado (artigo 990º CPC), tiver sido prestada garantia[1]
por uma das modalidades previstas no artigo 199º do CPPT, isto sem prejuízo do
nº2 do art.120º CPTA.[2]
3) Fora este último
caso referido, as providências cautelares são adoptadas:
-
Quando, estando em causa a adopção de uma providência cautelar conservatória[3]
haja fundado receito da constituição de uma situação de facto consumado (é o
perigo da infrutuosidade, no periculum in
mora[4])
ou da produção de prejuízos de difícil reparação (é o perigo do retardamento,
no periculum in mora) para os interesses que o requerente visa assegurar no
processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão
formulada ou a formular nesse processo (fumus
non mali iuris) ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu
conhecimento de mérito; a avaliação da adequação e da conveniência da
providência através da ponderação dos danos prováveis em confronto, se a medida
for decretada, obriga a que as providências cautelares só sejam adoptadas se o
juiz, após ponderar os interesses públicos e privados em presença, concluir com
segurança que os danos que resultariam da concessão da providência requerida
não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que
possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (artigo
120º, nº1, al.b))
-
Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória[5],
haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da
produção de prejuízos de difícil reparação para os interessados que o
requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que
a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada
procedente (fumus boni iuris ou
existência provável do direito invocado[6]).
Também aqui é necessária uma avaliação da adequação e da conveniência da
providência, através da ponderação dos danos prováveis em confronto, se a
medida for decretada (artigo 120º, nº1, al.c)).
O princípio do dispositivo vai sofrer aqui uma compressão,
no interesse do requerente (art.120º, nº2 in fine e nº3 do CPTA), porque as
providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário, de forma a
que os interesses defendidos pelo requerente não sejam lesados. Assim, pode o
tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação
ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente
requeridas, quando tal seja mais adequado a evitar a lesão desses interesses e
seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em
presença.
No caso de os potenciais prejuízos para os interesses,
públicos ou privados, em conflito com os do requerente, forem integralmente
reparáveis mediante indemnização pecuniária, pode o tribunal impor ao
requerente que este preste garantia por uma das formas previstas na lei
tributária (art.120º, nº4 do CPTA).
É de ter em atenção que é importante que o juiz afira também
as vantagens que se possam perder com o decurso do prazo interposto para ouvir
previamente as partes.
Outra regra importante é a que resulta do art.120º, nº5: a
não invocação, na contestação, de que a adopção das providências cautelares
pedidas prejudica o interesse público determina que o tribunal julgue
verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou
ostensiva.
4) No artigo 120º,
nº1, al.a) encontramos um regime especial. Diz-nos este artigo que, perante a
evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo
principal, designadamente por estar em causa um acto ilegal, o processo
cautelar deve ser julgado procedente. Portanto, sob as regras próprias do
processo cautelar, o juiz conclui que é certo que o processo principal será
procedente, num juízo de probabilidade reforçada[7].
Ou seja, nestas situações há uma existência muito provável do direito invocado
e não uma “certeza” semelhante à típica nos processos principais, incluindo a
pressuposta no art.121º do CPTA.
Perante um objecto processual simples ou de indagação fácil,
não pode o juiz cautelar negar tutela se estiver seriamente convencido da
(aparente) razão do requerente (por exemplo, nos casos em que o acto ou norma
em causa são manifestamente ilegais), irrelevando o prejuízo que se cause ao
interesse público pré-determinado pela Administração no caso concreto.[8]
Na maioria das vezes, esta situação ocorre em processo essencialmente
baseados em prova documental, mas o CPTA permite que possa acontecer em
processos com quaisquer outros meios de prova.
Assim, se a ilegalidade invocada necessitar ou tiver
necessitado, por parte do juiz cautelar, de indagação jurisdicional probatória
ou jurídica que, naquelas situações de facto e de direito, não seja simples,
fácil e clara, a situação respectiva não caberá na al.a) do nº1 do artigo 120º
do CPTA.
Mas com isto, não fica o requerente impedido de invocar
todas as ilegalidades que entender serem úteis ao caso concreto (simples ou
evidentes), bem como não está dispensado o tribunal, de analisar sem
profundidade cada uma delas, de forma a aferir da simplicidade ou evidência de,
pelo menos, uma delas.
Entende Paulo H. Pereira Gouveia que a interpretação
demasiado restritiva que os tribunais centrais administrativos (TCAs) têm dado
a este regime especial não é a mais conforme com a letra e espírito da lei.
Diz
ainda que tais interpretações parecem não levar na devida conta que o juízo
desta alínea a) nada tem a ver com o juízo (aprofundado) feito no art. 121º.[9]
5) Há ainda que
ter em conta as três características essenciais da tutela cautelar:
a)
Instrumentalidade (em relação ao processo principal) – notável, desde logo,
pelo facto de o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha
legitimidade para intentar o processo principal (artigo 112º, nº1 do CPTA). Uma
vez que as providências cautelares existem apenas para salvaguardar a utilidade
da sentença do processo principal, estas encontram-se assim totalmente
dependentes deste processo (artigo 113º, nº1 do CPTA). Caso o procedimento
cautelar seja apresentado antes do processo principal (o que é permitido, nos
termos do artigo 114º, nº1, al.a)), deverá o processo principal ser apresentado
no respectivo prazo, sob pena de a providência cautelar caducar, como previsto
no artigo 123º do CPTA;
b) Sumariedade
da apreciação jurisdicional (sumaria
cognitio) – o tribunal deve proceder a apreciações perfunctórias, baseadas
num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos
definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal;
c) Provisoriedade
– possibilidade de o Tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do
processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências
cautelares se tiver havido uma alteração relevante das condições inicialmente
existentes (artigo 124º do CPTA). Veja-se, aliás, que esta regula de forma
transitória o objecto da causa principal, pois não pode ter como efeito a
constituição de uma situação de facto consumado que torne inútil a sentença da
causa principal.
6) Outro ponto
relevante a ter em conta é o da aplicabilidade no processo cautelar da regra
prevista no art.96º, nº2 do CPTA, a qual deve ser ponderada, pelo menos, nos
casos simples e evidentes.
[1] A garantia
a prestar deve abranger não só a divida existente mas também os juros de mora e
demais montantes previstos no art.199º/5 do CPPT.
[2] Quanto a
este ponto é importante ter em conta o art. 50º, nº2 do CPTA.
[3] As
providências cautelares conservatórias serão aquelas que se destinam a
salvaguardar o status quo existente
há data da interposição do procedimento cautelar, evitando assim que se produza
certo efeito considerado nefasto. Tal será, por exemplo, o caso da suspensão da
eficácia do acto administrativo.
[4] O
periculum in mora é o perigo de não satisfação efectiva do direito invocado no
processo cautelar devido à demora do seu reconhecimento em litígio.
[5] As
providências cautelares antecipatórias serão aquelas que visam que certo
direito seja conferido provisoriamente, pelo que constitui uma inovação na ordem
jurídica preexistente. Tal será, por exemplo, o caso da admissão provisória a
um exame, ou da atribuição provisória de determinado subsidio.
[6] Com
recurso às regras próprias do processo cautelar, o juiz conclui que parece que
o processo principal irá ser julgado procedente: – É um juízo de probabilidade
preponderante ou um juízo positivo de probabilidade.
[7] Entende
Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha que esta alínea a) do nº1, do art.120º
do CPTA dispensa o periculum in mora.
[8] No mesmo
sentido aponta Isabel Fonseca.
[9] É com
base nesta não distinção de regimes que Paulo H. Pereira Gouveia defende que
talvez fosse mais desejável a ponderação da “junção” dos dois regimes num só:
eliminando a al.a) do nº1, do art.120º e “suavizando” as exigências do mecanismo
regulado no art.121º.
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