Qual o regime do contencioso administrativo
que se aplica à figura dos Planos urbanísticos?
Como indica o professor Freitas do
Amaral, “basicamente, o plano
urbanístico define que utilização se pode dar ao solo urbano ou
urbanizável, através do “zonamento” da área a que se aplica e das regras sobre
construção urbana.” Neste contexto, este professor aponta três níveis de
ordenamento do Território: o Plano Nacional de Ordenamento do Território, o
Plano Regional de Ordenamento do Território e o Plano de Desenvolvimento
Municipal (PDM) – cuja elaboração é obrigatória. De facto, é o PDM que estabelece
um modelo de estrutura espacial do território municipal, que constitui uma
síntese estratégica do desenvolvimento e do ordenamento local.
Aspecto essencial para a compreensão da
impugnação contenciosa dos planos do ordenamento do território, é (ou parece
ser) a sua inserção dogmática nas formas típicas de actuação
administrativa, formas estas que irão condicionar a operacionalidade do regime
de impugnação contenciosa.
Assim, em primeiro lugar devemos
relembrar “a
famosa discussão” acerca da natureza jurídica dos planos
urbanísticos. Neste contexto, a doutrina tem apresentado várias hipóteses de
qualificação destes instrumentos – muito sumariamente: o plano como acto
administrativo comum, como um acto administrativo geral, como acto misto, como
um regulamento e finalmente como uma nova forma, sui generis, de actuação administrativa.
Aqueles que defendem a tese segundo a
qual o plano assume natureza de acto administrativo individual e concreto,
indicam que os planos contêm uma disciplina diferenciada, particularizada e
detalhada do território, tomando em consideração os aspectos e os interesses
próprios de um espaço singular. Estes actos não são gerais, já que incidem
sobre determinado bem, não tendo uma categoria abstracta de sujeitos como
destinatários.
Quem defende que o plano é um acto
administrativo geral, realça a generalidade das prescrições do plano, afirmando
que os destinatários destes actos são não só os proprietários dos terrenos
objecto dos poderes de planeamento territorial, mas também todos os futuros
adquirentes de direitos reais sobre eles.
Existe também a possibilidade de
qualificação do plano urbanístico como um acto misto, constituído por
determinações de natureza concreta, que têm a natureza de acto administrativo
geral ou de factos dotados de reflexos normativos indirectos, e disposições abstractas,
que visam aplicar-se no futuro a uma pluralidade de situações concretas.
Em Portugal, a corrente maioritária
caracteriza o plano urbanístico como um regulamento administrativo. O argumento
principal desta tese é, no essencial, o facto de que o plano não tem
destinatários determinados e não regula somente uma actividade material. Alega-se
ainda a impossibilidade de haver revogação simples deste instrumento jurídico,
havendo sempre a necessidade de este ser substituído por outro da mesma
natureza, a que acresce a impossibilidade de derrogabilidade singular do plano,
à semelhança do que acontece com os regulamentos. Refere-se ainda, em benefício
desta tese, que os planos não estão sujeitos ao princípio da notificação, mas
sim da publicação, para além do facto de constituírem actos criadores de
direito, na medida em que fixam, ex novo,
regras jurídicas respeitantes ao regime do uso urbanístico do solo. É também
esta a posição vigente na jurisprudência nacional, embora tal dependa,
essencialmente, da qualificação realizada pela lei. (Pois a qualificação legal
destes planos, é realizada pelo artigo 69º, nº1, do RJIGT (Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial)).
Finalmente existe quem configure o
plano urbanístico como uma forma de actuação administrativa, distinta das formas
típicas, assumindo-o como um instrumento e natureza sui generis. Não será um
regulamento porque não é abstracto, nem será um acto administrativo porque não
regula a situação de um indivíduo em face da Administração, impondo antes uma
ordem que ultrapassa o quadro de interesse individuais.
Como verificamos, a definição da
natureza jurídica do plano urbanístico, não é uma tarefa simples. Mas, como
indica Alves Correia “não se pode rejeitar liminarmente nenhuma das teses anunciadas,
uma vez que elas expressam correctamente, cada uma a seu modo, alguns aspectos
ou algumas características dos planos territoriais que vinculam directa e
imediatamente os particulares (…)”.
Mas será verdadeiramente útil, esta
discussão (sobre a natureza jurídica dos planos), para determinar o seu modo de
impugnação no nosso contencioso administrativo?
É que, como indica o professor
Cláudio Monteiro, “no plano formal a questão esta resolvida legalmente, sendo
os planos vinculativos para os particulares qualificados como regulamentos
administrativos pelos artigos 8º/6 da LBPOTU (Lei de Bases da Política de Ordenamento
do Território e Urbanismo), 42º/1 e 69º/1 da RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial) e no plano substancial a natureza jurídica dos planos, em rigor,
só podem ser aferida caso a caso, em função do conteúdo material concreto de
cada plano, ou de cada disposição do plano”.
De facto, o legislador parece ter
resolvido a questão, ao informar o intérprete que a impugnação do Plano deve
ser promovida nos termos da impugnação de normas emitidas no desempenho da
função administrativa – pendendo caracterizar-se o conteúdo dos planos
municipais de ordenamento do território como um contencioso de normas
jurídicas.
Como indica Alves Correia “esta
disposição legal (o artigo 69º/1 do RJIGT) pode ser criticada por aparentemente
pretender resolver um problema que é essencialmente teórico e doutrinário e que
postula uma análise do conteúdo das disposições do plano – tarefa que só pode
ser realizada pelo intérprete e pelo aplicador daquele acto jurídico. Ela tem,
no entanto, o mérito de resolver todas as dúvidas no que concerne ao regime do
contencioso dos planos municipais. Sendo estes considerados, ao menos na sua
parte essencial ou fundamental – onde se incluem o zonamento e as regras que
definem o tipo ou modalidade de utilização do solo, bem como a medida ou a
intensidade dessa utilização e, indirectamente, as plantas de síntese [agora
planta de ordenamento] indicativas da localização no terreno das diferentes
zonas -, como regulamento administrativo, o seu contencioso apresenta-se
essencialmente como um contencioso de normas jurídicas”.
Também o professor Freitas do Amaral partilha
desta opinião, reiterando que a qualificação legal do plano como regulamento surge
por imperativo de ordem prática atinente ao contencioso: “por muito que se
queira dar a impressão de que as categorias tradicionais estão ultrapassada, a
verdade é que, por razões práticas insuperáveis, se torna necessário optar pela
qualificação do plano urbanístico como regulamento ou como acto administrativo”.
De facto, se existe uma consequência
lógica da qualificação legal dos planos urbanísticos como regulamentos, essa
consequência será, se dúvida, a eleição do contencioso de normas como forma
processual idónea para a impugnação destes instrumentos de gestão territorial.
O CPTA consagrou a existência de um
modelo dualista, que assenta na contraposição entre a acção administrativa
comum e a acção administrativa especial, distinguindo, portanto, as causas que
cujos trâmites devem seguir a primeira e a segunda forma. No seu Título III (da
acção administrativa especial), Capítulo II (disposições particulares), Secção
III (impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão), prevê o CPTA
a existência de uma acção administrativa especial destinada a reger
processualmente as causas que tenham por fim a “declaração de ilegalidade de
normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo” (artigo
72º, nº1, do CPTA). Assim, à partida, e em virtude da qualificação legal do
plano como regulamento, a impugnação dos planos municipais de ordenamento do
território seguirá os termos da acção administrativa especial para impugnação
de normas.
Daniela Verdasca
nº: 19570
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