sábado, 24 de novembro de 2012

A impugnação contenciosa dos Planos de Ordenamento do Território

     Qual o regime do contencioso administrativo que se aplica à figura dos Planos urbanísticos?

      Como indica o professor Freitas do Amaral, “basicamente, o plano urbanístico define que utilização se pode dar ao solo urbano ou urbanizável, através do “zonamento” da área a que se aplica e das regras sobre construção urbana.” Neste contexto, este professor aponta três níveis de ordenamento do Território: o Plano Nacional de Ordenamento do Território, o Plano Regional de Ordenamento do Território e o Plano de Desenvolvimento Municipal (PDM) – cuja elaboração é obrigatória. De facto, é o PDM que estabelece um modelo de estrutura espacial do território municipal, que constitui uma síntese estratégica do desenvolvimento e do ordenamento local.
 
      Aspecto essencial para a compreensão da impugnação contenciosa dos planos do ordenamento do território, é (ou parece ser) a sua inserção dogmática nas formas típicas de actuação administrativa, formas estas que irão condicionar a operacionalidade do regime de impugnação contenciosa.
      Assim, em primeiro lugar devemos relembrar  “a famosa discussão” acerca da natureza jurídica dos planos urbanísticos. Neste contexto, a doutrina tem apresentado várias hipóteses de qualificação destes instrumentos – muito sumariamente: o plano como acto administrativo comum, como um acto administrativo geral, como acto misto, como um regulamento e finalmente como uma nova forma, sui generis, de actuação administrativa.

      Aqueles que defendem a tese segundo a qual o plano assume natureza de acto administrativo individual e concreto, indicam que os planos contêm uma disciplina diferenciada, particularizada e detalhada do território, tomando em consideração os aspectos e os interesses próprios de um espaço singular. Estes actos não são gerais, já que incidem sobre determinado bem, não tendo uma categoria abstracta de sujeitos como destinatários.
      Quem defende que o plano é um acto administrativo geral, realça a generalidade das prescrições do plano, afirmando que os destinatários destes actos são não só os proprietários dos terrenos objecto dos poderes de planeamento territorial, mas também todos os futuros adquirentes de direitos reais sobre eles.
      Existe também a possibilidade de qualificação do plano urbanístico como um acto misto, constituído por determinações de natureza concreta, que têm a natureza de acto administrativo geral ou de factos dotados de reflexos normativos indirectos, e disposições abstractas, que visam aplicar-se no futuro a uma pluralidade de situações concretas.
      Em Portugal, a corrente maioritária caracteriza o plano urbanístico como um regulamento administrativo. O argumento principal desta tese é, no essencial, o facto de que o plano não tem destinatários determinados e não regula somente uma actividade material. Alega-se ainda a impossibilidade de haver revogação simples deste instrumento jurídico, havendo sempre a necessidade de este ser substituído por outro da mesma natureza, a que acresce a impossibilidade de derrogabilidade singular do plano, à semelhança do que acontece com os regulamentos. Refere-se ainda, em benefício desta tese, que os planos não estão sujeitos ao princípio da notificação, mas sim da publicação, para além do facto de constituírem actos criadores de direito, na medida em que fixam, ex novo, regras jurídicas respeitantes ao regime do uso urbanístico do solo. É também esta a posição vigente na jurisprudência nacional, embora tal dependa, essencialmente, da qualificação realizada pela lei. (Pois a qualificação legal destes planos, é realizada pelo artigo 69º, nº1, do RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial)).
       Finalmente existe quem configure o plano urbanístico como uma forma de actuação administrativa, distinta das formas típicas, assumindo-o como um instrumento e natureza sui generis. Não será um regulamento porque não é abstracto, nem será um acto administrativo porque não regula a situação de um indivíduo em face da Administração, impondo antes uma ordem que ultrapassa o quadro de interesse individuais.
      Como verificamos, a definição da natureza jurídica do plano urbanístico, não é uma tarefa simples. Mas, como indica Alves Correia “não se pode rejeitar liminarmente nenhuma das teses anunciadas, uma vez que elas expressam correctamente, cada uma a seu modo, alguns aspectos ou algumas características dos planos territoriais que vinculam directa e imediatamente os particulares (…)”.
 
      Mas será verdadeiramente útil, esta discussão (sobre a natureza jurídica dos planos), para determinar o seu modo de impugnação no nosso contencioso administrativo?
      É que, como indica o professor Cláudio Monteiro, “no plano formal a questão esta resolvida legalmente, sendo os planos vinculativos para os particulares qualificados como regulamentos administrativos pelos artigos 8º/6 da LBPOTU (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo), 42º/1 e 69º/1 da RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) e no plano substancial a natureza jurídica dos planos, em rigor, só podem ser aferida caso a caso, em função do conteúdo material concreto de cada plano, ou de cada disposição do plano”.

      De facto, o legislador parece ter resolvido a questão, ao informar o intérprete que a impugnação do Plano deve ser promovida nos termos da impugnação de normas emitidas no desempenho da função administrativa – pendendo caracterizar-se o conteúdo dos planos municipais de ordenamento do território como um contencioso de normas jurídicas.
      Como indica Alves Correia “esta disposição legal (o artigo 69º/1 do RJIGT) pode ser criticada por aparentemente pretender resolver um problema que é essencialmente teórico e doutrinário e que postula uma análise do conteúdo das disposições do plano – tarefa que só pode ser realizada pelo intérprete e pelo aplicador daquele acto jurídico. Ela tem, no entanto, o mérito de resolver todas as dúvidas no que concerne ao regime do contencioso dos planos municipais. Sendo estes considerados, ao menos na sua parte essencial ou fundamental – onde se incluem o zonamento e as regras que definem o tipo ou modalidade de utilização do solo, bem como a medida ou a intensidade dessa utilização e, indirectamente, as plantas de síntese [agora planta de ordenamento] indicativas da localização no terreno das diferentes zonas -, como regulamento administrativo, o seu contencioso apresenta-se essencialmente como um contencioso de normas jurídicas”.
      Também o professor Freitas do Amaral partilha desta opinião, reiterando que a qualificação legal do plano como regulamento surge por imperativo de ordem prática atinente ao contencioso: “por muito que se queira dar a impressão de que as categorias tradicionais estão ultrapassada, a verdade é que, por razões práticas insuperáveis, se torna necessário optar pela qualificação do plano urbanístico como regulamento ou como acto administrativo”.
       De facto, se existe uma consequência lógica da qualificação legal dos planos urbanísticos como regulamentos, essa consequência será, se dúvida, a eleição do contencioso de normas como forma processual idónea para a impugnação destes instrumentos de gestão territorial.

      O CPTA consagrou a existência de um modelo dualista, que assenta na contraposição entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial, distinguindo, portanto, as causas que cujos trâmites devem seguir a primeira e a segunda forma. No seu Título III (da acção administrativa especial), Capítulo II (disposições particulares), Secção III (impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão), prevê o CPTA a existência de uma acção administrativa especial destinada a reger processualmente as causas que tenham por fim a “declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo” (artigo 72º, nº1, do CPTA). Assim, à partida, e em virtude da qualificação legal do plano como regulamento, a impugnação dos planos municipais de ordenamento do território seguirá os termos da acção administrativa especial para impugnação de normas.

Daniela Verdasca
nº: 19570

 

 

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