sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Tramitação do Procedimento Administrativo - Parte II: A acção administrativa especial


Tramitação do procedimento administrativo - parte II: A acção administrativa especial
Ao contrário do processo declarativo comum, a acção administrativa especial rege-se pelas disposições previstas no Título III e observa, como determina o art.46.º/1, a tramitação que consta dos arts.78.º e ss.


i.     Fase dos articulados: PI e contraditório

Petição inicial: o processo administrativo, à semelhança do processo civil, inicia-se com uma petição inicial (arts.78.º e 79.º), que necessita de ser articulada, e da qual devem constar os elementos essenciais da causa: identificação das partes, do tribunal, do acto a ser impugnado (se for esse o caso), o valor da causa e a forma do processo e, ainda a indicação dos factos a serem provados.
À petição deve também ser anexada o comprovativo do pagamento da taxa de justiça e de outros documentos, conforme o pedido a ser feito, incluindo a junção dos documentos probatórios. Logo que a PI é recebida considera-se constituída a instância (art.78.º/1).

Intervenção da secretaria: a Petição Inicial é entregue e analisada na secretaria, que pode recusar o seu recebimento quando se verifiquem os factos do artigo 80.º, nomeadamente a omissão de algum dos elementos essenciais. Desta recusa, pode existir recurso para o juiz da causa, podendo o autor, no prazo de 10 dias, entregar nova petição sem, no entanto, que o prazo se suspenda, tal como acontece no processo civil.
Uma vez recebida a PI, a secretaria promove a citação simultânea da entidade demandada e os contra-interessados (art.81.º), dispondo, por isso, do mesmo prazo para contestar.
No momento da citação, a secretaria envia ainda, ao Ministério Publico, uma cópia da PI e dos documentos, excepto na acção pública em que o MP é o autor (art.85.º). A partir deste momento, o MP fica ciente do que está em causa em cada processo e está em condições de avaliar a relevância dos interesses a que eles digam respeito.

Contestação: a entidade demandada, através dos serviços ou do órgão competente, deve enviar, juntamente com a contestação ou dentro do prazo, o “processo administrativo” (art.84.º). A contestação deve ser articulada e devidamente instruída devendo a entidade demandada – e os contra-interessados – pronunciar-se sobre eventuais requerimentos do autor de dispensa de prova e alegações finais.
As contestações devem ser notificadas ao autor, nos termos dos prazos do processo civil, art.492.º, da mesma forma que deve ser notificado o MP para exercer as suas competências.

Intervenção do Ministério Publico: Tendo recebido o MP a copia da PI, intervém se e quando entender, no prazo de 10 dias depois da junção do “processo administrativo” ou aquando da apresentação das contestações (art.85.º).  
Alias, esta é uma importante característica da forma da acção administrativa especial nos processos atinentes ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, reside na atribuição ao MP de poderes de intervenção nos processos em que não figura como parte (art.85.º).  
A ideia que serve de base a esta intervenção do MP, de acordo com o art.85.º/2, é a de defesa de “valores e bens constitucionalmente protegidos (…)” art.9.º/2[1], cabendo-lhe, em geral: (i) pronunciar-se sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligencias instrutórias e; (ii) nos pedidos impugnatórios, apresentar novas causas de invalidade.

Articulados supervenientes: Na acção administrativa especial não há lugar a réplica ou tréplica, mas tal não condiciona o contraditório das partes. Até à fase das alegações, as partes podem deduzir articuladamente, factos supervenientes ou de conhecimento superveniente comprovado (art.86.º), tendo a contra-parte 10 dias para resposta.


ii. Fase de saneamento e instrução

O despacho pré-saneador e o despacho saneador: Finda a fase dos articulados, e de acordo com o art.87.º, o processo é concluso ao juiz, cujo conteúdo lhe compete analisar, a fim de detectar e resolver questões que possam obstar ao conhecimento do objecto do processo, verificando a regularidade das peças processuais e procurar corrigi-las oficiosamente, ou então proferir despacho de aperfeiçoamento, convidando a parte a corrigir as deficiências (art.88.º e 89.º).

Assim, nos termos do art.87.º, o juiz profere despacho saneador em três situações: (i) quando deva conhecer quaisquer questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo; (ii) quando deva conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, seja por existir excepção peremptória, seja por o processo estar pronto para ser decidido, quando tenha sido requerida pelo autor, sem oposição de qualquer dos demandados, dispensa de alegações; (iii) quando haja necessidade de produção de prova, elaborando a base instrutória;

Ao contrário do que sucede no processo civil, e também do que acontecia no antigo regime, este constitui o único momento do processo em que este tipo de questões pode ser apreciado, dispondo o art.87.º/2: «as questões previas (…) que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas».

Por esta razão, esta intervenção do juiz constitui grande relevância; (i) em primeiro lugar pela resolução de questões formais (como aperfeiçoamento de articulados ou suprimento de excepções); (ii) depois, porque a decisão de condensação e de abertura da instrução através da determinação dos factos assentes e controvertidos constitui a base-instrutória do caso a ser julgado; (iii) por fim, porque, nesta fase pode ser proferida decisão sobre mérito da causa, se o estado do processo o permitir: profere saneador sentença (art.87.º/1/b)).

Quando esteja na presença de uma situação em que não seja exequível o suprimento das excepções ou a correcção da PI, o juiz determina a absolvição da instância, embora seja preferível que o faça apenas depois de proferir despacho de aperfeiçoamento, dada a possibilidade elencada no art.89.º/2.


A instrução do processo: quando na fase anterior não haja lugar à absolvição da instância nem à emissão de saneador sentença que decida do mérito da causa, o juiz, no despacho saneado, determina a abertura da instrução, destinada à realização das diligências de prova necessárias (arts.87.º/1/c) e 90.º/1)
No que toca à produção de prova e aos meios de prova aplica-se a lei processual civil, razão pela qual o CPTA é relativamente sucinto na matéria de instrução.

Discussão da matéria de facto: esta é uma das “novidades” do procedimento administrativo, e respeita à introdução de um maior grau de oralidade que se manifesta no poder de o juiz ordenar uma audiência pública para discussão oral da matéria de facto, quando entenda que tal seja necessário afim de esclarecer a matéria de facto e os meios de prova produzidos pelas partes durante a instrução (art.91.º/ e 2). Esta audiência pública pode, por seu turno, ser requerida pelas partes (art.91.º/3).
Nesta fase, pode o autor alegar novos fundamentos do pedido (obviamente quanto a factos supervenientes) ou ampliar o pedido (art.91.º/6)[2]


iii. Fase de julgamento e publicidade

O julgamento: Após todas as fases atrás enunciadas, há lugar a julgamento, sendo proferida uma sentença fundamentada de facto e de direito, que pode ser ou não feita por um colectivo de juízes, salvo simplicidade da causa. De facto, apenas nas situações previstas na lei para o julgamento de primeira instância, devem intervir todos os juízes do tribunal: quando a questão de direito suscitada seja nova, suscite serias dificuldades e possa ser suscitada noutros litígios (arts. 93.º CPTA e 41.º ETAF). Este sistema tem como objectivo proferir uma jurisprudência uniforme ao nível do tribunal.
Ainda aqui podem surgir duas questões, conforme o processo seja ou não urgente, podendo existir reenvio para o STA para que este emita pronúncia vinculativa (art.93.º/1) sobre o sentido da questão, tendo como objectivo, mais uma vez, uma jurisprudência uniforme mas aqui, ao nível nacional.
Com esta pronúncia vinculativa do STA, fica o TCA obrigado, na aplicação das normas aos factos submetidos a julgamento, a interpretar a norma a que se referiu o reenvio com o sentido que o STA lhe atribuiu. Se não o fizer, violará o art.93.º/1, podendo a decisão ser impugnada com esse fundamento.

Publicidade: A sentença ou acórdão são notificados às partes, sendo os acórdãos finais do STA e dos TCA publicados no DR.


 Ana Rita Pinto - 19488



[1] Para uma interessante apreciação do papel do Ministério Publico na tramitação da acção administrativa especial, cfr. [1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp. 370 e ss, e JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, pp.287.
[2] Como se sabe, na prática, esta fase ainda ocorre diminutas vezes nos Tribunais Administrativos portugueses, sendo o contencioso administrativo baseado, sobretudo, no processo administrativo.

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