Tramitação do procedimento administrativo - parte II: A acção
administrativa especial
Ao contrário do processo declarativo
comum, a acção administrativa especial rege-se pelas disposições previstas no Título
III e observa, como determina o art.46.º/1, a tramitação que consta dos
arts.78.º e ss.
i.
Fase dos articulados: PI e
contraditório
Petição inicial: o processo administrativo, à semelhança do processo civil, inicia-se com
uma petição inicial (arts.78.º e 79.º), que necessita de ser articulada, e da
qual devem constar os elementos essenciais da causa: identificação das partes,
do tribunal, do acto a ser impugnado (se for esse o caso), o valor da causa e a
forma do processo e, ainda a indicação dos factos a serem provados.
À petição deve também ser anexada o
comprovativo do pagamento da taxa de justiça e de outros documentos, conforme o
pedido a ser feito, incluindo a junção dos documentos probatórios. Logo que a
PI é recebida considera-se constituída a instância (art.78.º/1).
Intervenção da secretaria: a Petição Inicial é entregue e analisada na secretaria, que
pode recusar o seu recebimento quando se verifiquem os factos do artigo 80.º,
nomeadamente a omissão de algum dos elementos essenciais. Desta recusa, pode
existir recurso para o juiz da causa, podendo o autor, no prazo de 10 dias,
entregar nova petição sem, no entanto, que o prazo se suspenda, tal como acontece
no processo civil.
Uma vez recebida a PI, a secretaria promove
a citação simultânea da entidade demandada e os contra-interessados (art.81.º),
dispondo, por isso, do mesmo prazo para contestar.
No momento da citação, a secretaria
envia ainda, ao Ministério Publico, uma cópia da PI e dos documentos, excepto
na acção pública em que o MP é o autor (art.85.º). A partir deste momento, o MP
fica ciente do que está em causa em cada processo e está em condições de
avaliar a relevância dos interesses a que eles digam respeito.
Contestação: a
entidade demandada, através dos serviços ou do órgão competente, deve enviar,
juntamente com a contestação ou dentro do prazo, o “processo administrativo”
(art.84.º). A contestação deve ser articulada e devidamente instruída devendo a
entidade demandada – e os contra-interessados – pronunciar-se sobre eventuais
requerimentos do autor de dispensa de prova e alegações finais.
As contestações devem ser notificadas
ao autor, nos termos dos prazos do processo civil, art.492.º, da mesma forma
que deve ser notificado o MP para exercer as suas competências.
Intervenção do Ministério Publico: Tendo recebido o MP a copia da PI, intervém se e quando entender,
no prazo de 10 dias depois da junção do “processo administrativo” ou aquando da
apresentação das contestações (art.85.º).
Alias, esta é uma importante característica
da forma da acção administrativa especial nos processos atinentes ao exercício de
poderes de autoridade por parte da Administração, reside na atribuição ao MP
de poderes de intervenção nos processos em que não figura como parte
(art.85.º).
A ideia que serve de base a esta
intervenção do MP, de acordo com o art.85.º/2, é a de defesa de “valores e bens
constitucionalmente protegidos (…)” art.9.º/2[1],
cabendo-lhe, em geral: (i) pronunciar-se sobre o mérito da causa e solicitar a realização
de diligencias instrutórias e; (ii) nos pedidos impugnatórios, apresentar novas
causas de invalidade.
Articulados supervenientes: Na acção administrativa especial não há lugar a réplica ou
tréplica, mas tal não condiciona o contraditório das partes. Até à fase das alegações,
as partes podem deduzir articuladamente, factos supervenientes ou de
conhecimento superveniente comprovado (art.86.º), tendo a contra-parte 10 dias
para resposta.
ii. Fase de saneamento e instrução
O despacho pré-saneador e o despacho saneador: Finda a fase dos articulados, e de
acordo com o art.87.º, o processo é concluso ao juiz, cujo conteúdo lhe compete
analisar, a fim de detectar e resolver questões que possam obstar ao
conhecimento do objecto do processo, verificando a regularidade das peças
processuais e procurar corrigi-las oficiosamente, ou então proferir despacho de
aperfeiçoamento, convidando a parte a corrigir as deficiências (art.88.º e
89.º).
Assim, nos termos do art.87.º, o juiz
profere despacho saneador em três
situações: (i) quando deva conhecer quaisquer questões que obstem ao
conhecimento do objecto do processo; (ii) quando deva conhecer total ou
parcialmente do mérito da causa, seja por existir excepção peremptória, seja
por o processo estar pronto para ser decidido, quando tenha sido requerida pelo
autor, sem oposição de qualquer dos demandados, dispensa de alegações; (iii)
quando haja necessidade de produção de prova, elaborando a base instrutória;
Ao contrário do que sucede no
processo civil, e também do que acontecia no antigo regime, este constitui o
único momento do processo em que este tipo de questões pode ser apreciado,
dispondo o art.87.º/2: «as questões previas
(…) que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas
nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no
despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas».
Por esta razão, esta intervenção do
juiz constitui grande relevância; (i) em primeiro lugar pela resolução de questões
formais (como aperfeiçoamento de articulados ou suprimento de excepções); (ii)
depois, porque a decisão de condensação e de abertura da instrução através da determinação
dos factos assentes e controvertidos constitui a base-instrutória do caso a ser
julgado; (iii) por fim, porque, nesta fase pode ser proferida decisão sobre mérito
da causa, se o estado do processo o permitir: profere saneador sentença (art.87.º/1/b)).
Quando esteja na presença de uma situação
em que não seja exequível o suprimento das excepções ou a correcção da PI, o
juiz determina a absolvição da instância,
embora seja preferível que o faça apenas depois de proferir despacho de
aperfeiçoamento, dada a possibilidade elencada no art.89.º/2.
A instrução do processo: quando na fase anterior não haja lugar à absolvição da instância
nem à emissão de saneador sentença que decida do mérito da causa, o juiz, no
despacho saneado, determina a abertura da instrução, destinada à realização das
diligências de prova necessárias (arts.87.º/1/c) e 90.º/1)
No que toca à produção de prova e aos
meios de prova aplica-se a lei processual civil, razão pela qual o CPTA é
relativamente sucinto na matéria de instrução.
Discussão da matéria de facto: esta é uma das “novidades” do procedimento administrativo,
e respeita à introdução de um maior grau de oralidade que se manifesta no poder
de o juiz ordenar uma audiência pública para discussão oral da matéria de
facto, quando entenda que tal seja necessário afim de esclarecer a matéria
de facto e os meios de prova produzidos pelas partes durante a instrução (art.91.º/
e 2). Esta audiência pública pode, por seu turno, ser requerida pelas partes
(art.91.º/3).
Nesta fase, pode o autor alegar novos
fundamentos do pedido (obviamente quanto a factos supervenientes) ou ampliar o
pedido (art.91.º/6)[2]
iii. Fase de julgamento e publicidade
O julgamento: Após
todas as fases atrás enunciadas, há lugar a julgamento, sendo proferida uma
sentença fundamentada de facto e de direito, que pode ser ou não feita por um
colectivo de juízes, salvo simplicidade da causa. De facto, apenas nas
situações previstas na lei para o julgamento de primeira instância, devem
intervir todos os juízes do tribunal: quando a questão de direito suscitada seja
nova, suscite serias dificuldades e possa ser suscitada
noutros litígios (arts. 93.º CPTA e 41.º ETAF). Este sistema tem como
objectivo proferir uma jurisprudência uniforme ao nível do tribunal.
Ainda aqui podem surgir duas
questões, conforme o processo seja ou não urgente, podendo existir reenvio para
o STA para que este emita pronúncia vinculativa (art.93.º/1) sobre o
sentido da questão, tendo como objectivo, mais uma vez, uma jurisprudência uniforme
mas aqui, ao nível nacional.
Com esta pronúncia vinculativa do
STA, fica o TCA obrigado, na aplicação das normas aos factos submetidos a
julgamento, a interpretar a norma a que se referiu o reenvio com o sentido que
o STA lhe atribuiu. Se não o fizer, violará o art.93.º/1, podendo a decisão ser
impugnada com esse fundamento.
Publicidade: A
sentença ou acórdão são notificados às partes, sendo os acórdãos finais do STA
e dos TCA publicados no DR.
Ana Rita Pinto - 19488
[1]
Para uma interessante apreciação do papel do Ministério Publico na tramitação
da acção administrativa especial, cfr. [1] MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp.
370 e ss, e JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, pp.287.
[2]
Como se sabe, na prática, esta fase ainda ocorre diminutas vezes nos Tribunais Administrativos
portugueses, sendo o contencioso administrativo baseado, sobretudo, no processo
administrativo.
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