sábado, 10 de novembro de 2012

A legitimidade Activa nas Acções Administrativas


            A legitimidade Activa nas Acções Administrativas
        No contencioso administrativo, desde cedo se compreendeu que o processo de partes não é apenas um processo entre duas partes com interesses contraditórios e se reconheceu a inegável importância de conferir protecção a terceiros[1], beneficiários da actuação administrativa. O processo administrativo adquiriu, assim, uma dimensão trilateral- Administração, Recorrente e Contra-Interessados- assumindo uma posição de partes principais.
       A legitimidade é, então, um pressuposto processual específico do Contencioso e, também, comum a todos os meios processuais, expresso no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos artigos 9º e ss.

§  Legitimidade Processual nas Acções Bilaterais
O CPTA  introduziu um conceito central de legitimidade activa das partes, bem como um conceito de status activus processualis, adaptado ao contencioso administrativo, mas ainda assim baseado em disposições constitucionais[2].
O contencioso adquire, por conseguinte, uma dimensão subjectivista[3], assente no pressuposto de que são verdadeiros os factos da respectiva causa de pedir, tal como invocados pelo autor, no que respeita tanto à existência da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na sua petição, olhando ao pedido aí formulado e à causa de pedir apresentada, independentemente da prova de factos que integram esta última.
Note-se que, para efeitos de legitimidade activa, «parte» numa relação jurídica tanto pode ser uma pessoa ou um ente com personalidade jurídica, como um órgão administrivo cuja esfera de competências ou direitos tenha sido violada por outro órgão da mesma pessoa colectiva, como se prevê, por exemplo, no art.10º/6 do CPTA[4].
A qualidade de parte na relação jurídica controvertida exprime, do ponto de vista do autor, o seu interesse directo em demandar, a sua legitimidade activa directa.
Contudo, a previsão do nº 1do artigo 9º do CPTA sugere um afastamento do critério tradicional da legitimidade baseado na titularidade de um «interesse directo, pessoal e legítimo» em certos casos:
  1.                   Na hipótese do art.9º/2, da legitimidade «social» para a tutela de bens e valores constitucionalmente protegidos, sem que haja qualquer relação jurídica subjacente;
  2.                    Em algumas hipóteses reguladas nos arts.40º, em que se reconhece a legitimidade de terceiros face à relação contratual para formular pedidos relativos à validade e execução do contrato;
  3.                    No âmbito da acção administrativa especial, onde é suficiente a existência de um interesse directo e pessoal na invalidação (ou condenação à prática) do acto ou da norma.

           Para além destes casos expressamente enunciados, poder-se-ão ainda enunciar outros em que a legitimidade activa se funda num factor diverso do pressuposto do nº1 do art.9º. Sucede assim nas hipóteses excepcionais em que se atribua o direito de acção a titulares de um interesse indirecto, como acontece nos casos de substituição processual (exemplo da acção subrogatória); sucede ainda nas acções de simples apreciação, sem que haja entre autor e demandado uma certa e determinada relação jurídica ou mesmo noutras situações específicas em que a pretensão do demandante consiste justamente em impedir a constituição de uma relação material controvertida, como sucede quando se pede ao tribunal a condenação da administração à não emissão de um acto administrativo (art.37º/2 alínea e) do CPTA).
          Assim, este artigo reconhece a qualquer pessoa, às associações e fundações defensoras dos interesses em causa, às autarquias locais e ao Ministério Público, uma legitimidade social, diga-se assim, para propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de certos bens e valores constitucionalmente protegidos, como o serão a tutela judicial dos interesses difusos, consagrada no art.52º/3, no constante a certos bens ou valores legal ou constitucionalmente protegidos (bens públicos ou colectivos que, quando vistos pela perspectiva dos seus beneficiários, diz-se constituírem «interesses difusos»[5]).

Cátia Alexandra Carlos, nº19551



[1] Note-se que a Professora Alexandra Leitão, parafraseando PROSPER WEIL, relembra que «…a palavra terceiro não deve jamais ser utilizada sem a definir…», “A Protecção Judicial de Terceiros nos Contratos da Administração Pública”- Almedina, 2002, p.13.
[2] Gomes Canotilho assinala a terceira dimensão dos direitos fundamentais: a componente processual que permite aos cidadãos participar na efectivação das prestações necessárias ao livre desenvolvimento do seu status activus, “Direito Constitucional”, 4ºedição, Almedina p.429.
[3] Defendido por Vasco Pereira da Silva, “Para um Contencioso Administrativo dos Particulares-Esboço de uma Teoria Subjectivista do Recurso Directo de Anulação”- Almedina, 1989, p.268, 269.
[4] Cfr. “Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado”, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, p.150-171.
[5]  Aqui esta figura pretende corresponder a interesses «sem dono», correspondentes a bens que a toda a comunidade interessa garantir e preservar, interesses, simultaneamente relativos a todos os sujeitos, mas também a membros individuais, de cada um de nós, enquanto membros dessa comunidade. Cfr ainda Miguel Teixeira de Sousa, “A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos”, 2003, p.20 e ss.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.