A legitimidade Activa
nas Acções Administrativas
No contencioso administrativo, desde
cedo se compreendeu que o processo de partes não é apenas um processo entre
duas partes com interesses contraditórios e se reconheceu a inegável
importância de conferir protecção a terceiros[1],
beneficiários da actuação administrativa. O processo administrativo adquiriu,
assim, uma dimensão trilateral- Administração, Recorrente e
Contra-Interessados- assumindo uma posição de partes principais.
A legitimidade é, então, um pressuposto processual
específico do Contencioso e, também, comum a todos os meios processuais,
expresso no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos artigos 9º e
ss.
§
Legitimidade
Processual nas Acções Bilaterais
O CPTA introduziu um conceito central de legitimidade
activa das partes, bem como um conceito de status
activus processualis, adaptado ao contencioso administrativo, mas ainda
assim baseado em disposições constitucionais[2].
O contencioso adquire,
por conseguinte, uma dimensão subjectivista[3],
assente no pressuposto de que são verdadeiros os factos da respectiva causa de
pedir, tal como invocados pelo autor, no que respeita tanto à existência da
relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na sua
petição, olhando ao pedido aí formulado e à causa de pedir apresentada, independentemente
da prova de factos que integram esta última.
Note-se que, para
efeitos de legitimidade activa, «parte» numa relação jurídica tanto pode ser
uma pessoa ou um ente com personalidade jurídica, como um órgão administrivo
cuja esfera de competências ou direitos tenha sido violada por outro órgão da
mesma pessoa colectiva, como se prevê, por exemplo, no art.10º/6 do CPTA[4].
A qualidade de parte
na relação jurídica controvertida exprime, do ponto de vista do autor, o seu
interesse directo em demandar, a sua legitimidade activa directa.
Contudo, a previsão do
nº 1do artigo 9º do CPTA sugere um afastamento do critério tradicional da
legitimidade baseado na titularidade de um «interesse directo, pessoal e
legítimo» em certos casos:
- Na hipótese do art.9º/2, da legitimidade «social» para a tutela de bens e valores constitucionalmente protegidos, sem que haja qualquer relação jurídica subjacente;
- Em algumas hipóteses reguladas nos arts.40º, em que se reconhece a legitimidade de terceiros face à relação contratual para formular pedidos relativos à validade e execução do contrato;
- No âmbito da acção administrativa especial, onde é suficiente a existência de um interesse directo e pessoal na invalidação (ou condenação à prática) do acto ou da norma.
Para além destes casos expressamente enunciados, poder-se-ão
ainda enunciar outros em que a legitimidade activa se funda num factor diverso
do pressuposto do nº1 do art.9º. Sucede assim nas hipóteses excepcionais em que
se atribua o direito de acção a titulares de um interesse indirecto, como
acontece nos casos de substituição processual (exemplo da acção subrogatória);
sucede ainda nas acções de simples apreciação, sem que haja entre autor e
demandado uma certa e determinada relação jurídica ou mesmo noutras situações
específicas em que a pretensão do demandante consiste justamente em impedir a
constituição de uma relação material controvertida, como sucede quando se pede
ao tribunal a condenação da administração à não emissão de um acto
administrativo (art.37º/2 alínea e) do CPTA).
Assim, este artigo reconhece a qualquer pessoa, às
associações e fundações defensoras dos interesses em causa, às autarquias
locais e ao Ministério Público, uma legitimidade social, diga-se assim, para
propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de
certos bens e valores constitucionalmente protegidos, como o serão a tutela
judicial dos interesses difusos, consagrada no art.52º/3, no constante a certos
bens ou valores legal ou constitucionalmente protegidos (bens públicos ou
colectivos que, quando vistos pela perspectiva dos seus beneficiários, diz-se
constituírem «interesses difusos»[5]).
Cátia Alexandra Carlos, nº19551
[1] Note-se
que a Professora Alexandra Leitão, parafraseando PROSPER WEIL, relembra que «…a
palavra terceiro não deve jamais ser utilizada sem a definir…», “A Protecção
Judicial de Terceiros nos Contratos da Administração Pública”- Almedina, 2002,
p.13.
[2] Gomes
Canotilho assinala a terceira dimensão dos direitos fundamentais: a componente
processual que permite aos cidadãos participar na efectivação das prestações
necessárias ao livre desenvolvimento do seu status
activus, “Direito Constitucional”, 4ºedição, Almedina p.429.
[3] Defendido
por Vasco Pereira da Silva, “Para um Contencioso Administrativo dos
Particulares-Esboço de uma Teoria Subjectivista do Recurso Directo de Anulação”-
Almedina, 1989, p.268, 269.
[4] Cfr.
“Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado”, Mário Esteves de
Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, p.150-171.
[5] Aqui esta figura pretende corresponder a
interesses «sem dono», correspondentes a bens que a toda a comunidade interessa
garantir e preservar, interesses, simultaneamente relativos a todos os
sujeitos, mas também a membros individuais, de cada um de nós, enquanto membros
dessa comunidade. Cfr ainda Miguel Teixeira de Sousa, “A legitimidade popular
na tutela dos interesses difusos”, 2003, p.20 e ss.
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