segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Extensão dos efeitos de sentença transitada em julgado

            Ultrapassada a tentativa de esclarecimento de um comentário da minha autoria publicado neste blog, em resposta a uma questão colocada pelo Prof. Cláudio Monteiro, parece-me relevante debruçar-me sobre o mecanismo de extensão dos efeitos de sentença transitada em julgado a situações semelhantes.

Neste sentido, tentarei avançar com uma breve descrição e opinião sobre o instrumento legal enunciado supra e previsto no art.161º Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA), consequente à Reforma do Contencioso Administrativo[1].

Âmbito material…
Que tipo de pretensões poderão estar abrangidas pelo art.161º/1 CPTA?

             Primeiramente, é importante interpretar o art.161º como um todo, de modo a facilitar o entendimento do escopo do legislador.

             Contudo, analisado o preceito, há questões de âmbito material que têm sido alvo de divergência doutrinária e que merecem posição pessoal, nomeadamente a referência literal à “anulação de actos”, e a aplicabilidade deste mecanismo de extensão dos efeitos de sentença apenas a actos plurais ou gerais.


1.   Não querendo desrespeitar nenhuma opinião contrária, sou da opinião de que a expressão “anulação” presente no art.161/1 tem de ser interpretada de modo amplo e extensivo.

   Ou seja, até por motivos de integração sistemática e coerência normativa, no preceito em análise estão abrangidas todas as situações em que tenha sido considerado determinado acto nulo, anulável ou inexistente[2].


2.  Por outro lado, relativamente à opinião do art.161º/1 se reportar apenas a actos plurais ou gerais[3], esta também não me parece de fácil aceitação.

        Partindo da letra do artigo, esta aponta-nos não só para sentenças que “que tenha(m) anulado um acto administrativo desfavorável”, mas também para o reconhecimento de uma “situação jurídica favorável”.

   Por mais estranho que possa ser este argumento de base literal, não me parece sequer que esteja aqui exigida a incidência da sentença sobre um acto administrativo formal, mas sobre a generalidade da actuação da Administração, e, muito menos, sobre um acto geral ou plural.

 

Âmbito temporal….

             Outra questão que surge é a de saber se a extensão dos efeitos das sentenças de casos idênticos se aplicam a situações jurídicas ocorridas antes da reforma[4].

             Aqui não parece que possa haver grandes dúvidas. Assim, com todo o respeito a diferentes opiniões, se analisarmos o art.5º do instrumento legal que aprovou o CPTA[5], parece não restar grandes dúvidas que é de aplicar retroactivamente a solução plasmada no artigo.

             Ou seja, não vejo por que motivo aos pedidos judiciais para extensão dos efeitos, sobretudo em situações de indeferimento ou de “silêncio” da Administração, não possa ser aplicado o art.161ºCPTA. Isto porque o art.5º/4 da lei que aprovou o CPTA dispõe que “as novas disposições respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo Código”. Ora, não querendo ser demasiado literal ou sistemático, é importante localizar o art.161º CPTA – “TÍTULO VIII - Do processo executivo”, “CAPÍTULO I - Disposições gerais”.

            

O propósito…
 
             Concorde-se ou não com os resultados de qualquer reforma, é importante identificar e delimitar os objectivos e propósitos da mesma.

             Deste modo, na minha opinião, podemos encontrar dois grandes vectores de objectivos[6] na reforma do Contencioso, mais especificamente, através do mecanismo de extensão dos efeitos da sentença:

1)             Promoção do princípio da economia processual.
         Este objectivo parece sair reforçado através da desobstrução e descongestionamento dos tribunais administrativos, impedindo não só grandes conglomerados processuais essencialmente semelhantes, como também a repetição de processos idênticos;

 
2)             Valorização do princípio da igualdade.
         Por seu turno, pretende-se um igual tratamento entre situações idênticas. Ou seja, no fundo o que este mecanismo procura passa por uma uniformidade de tratamento de casos idênticos, evitando divergências decisórias nos mesmos.

             Assim, com o corpo do art.161º CPTA procura-se a coerência decisória entre casos semelhantes, resultando numa resposta de solução célere aos particulares nos seus litígios com a Administração.


             Aplicar a “extensão dos efeitos de sentença transitada em julgado a outras situações” quando, como e em que circunstâncias?

             Efectivamente, a aplicação deste instrumento jurídico tem de obedecer a um conjunto de requisitos que, de forma sucinta, tentarei apresentar.


·    “Situações em que existam vários casos perfeitamente idênticos[7]”.

Este, no meu entender, deverá ser o requisito mais importante para viabilizar a aplicação do mecanismo em causa, mas, igualmente, o mais difícil de identificar[8].

           Por uma questão de aplicabilidade e utilidade do artigo 161º CPTA, no meu entender, o que se exige não é uma coincidência absoluta entre a situação relativa ao particular interessado na extensão dos efeitos e casos anteriores. Ou seja, o que importa para a similitude entre casos é a questão jurídica concreta e os perímetros factuais em que se insere, permitindo a sua delimitação e identificação. Tudo isto leva-me a desconsiderar a importância de situações circunstanciais[9], relevando antes a similitude de factos[10] e efeitos pretendidos[11] e obtidos.

 
·    Tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou existindo situações de processos em massa[12]”.

         Outro requisito que merece alguma discussão crítica é o que consta do art.161º/2, nomeadamente as cinco sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido, ou três sentenças derivadas de processos seleccionados segundo o disposto no art.48.º CPTA - processos em massa. Aqui, talvez se deva explicar, ainda que de forma breve, o motivo da diferença de números exigidos.

           A menor exigência de sentenças emitidas nos termos do art.48º advém do facto de, nesses casos, ter ocorrido, no mínimo, uma prévia identificação de vinte e um processos semelhantes. Então, numa sentença emitida por aplicação do art.48º já sabemos que os “tribunais administrativos reconheceram um potencial de aplicação a um elevado número de outros processos pendentes[13] – aquilo que parece ser uma exigência menor, 3 sentenças, acaba por implicar um número enormemente elevado de processos[14].
 
          Por este mesmo motivo, não me parece absurdo avançar com a hipótese de no art.161º apenas se exigir uma sentença com as características seleccionadas, considerando mesmo excessivo o requisito de 3 sentenças. Donde, de acordo com o primeiro objectivo referido supra, seria suficiente a existência de vinte e um processos idênticos.

 
            Por outro lado, a primeira opção do artigo passa por existirem, pelo menos, cinco sentenças com decisões formalmente idênticas. Aqui, o que se tenta evitar é atribuir o risco a um único juiz de, através da sua decisão, estender os efeitos da sua sentença – pense-se na insegurança jurídica que seria havendo divergência jurisprudencial.


           Porém, aproveito para lançar a discussão: será que podemos inserir pedidos apresentados pelos particulares para extensão dos efeitos no art.161º, no que respeita a sentenças transitadas em julgado antes da entrada em vigor do CPTA?

             Avançando de forma breve com a minha posição, parece-me que da actividade do STA[15], da letra do art.161º CPTA, do referido art.5º da lei que aprovou o CPTA e, sobretudo, tendo em conta os objectivos de uniformização jurisprudencial e promoção do princípio da igualdade, podemos retirar que se pretendeu abranger sentenças emitidas antes da reforma.

 
·    “Inexistência de sentença transitada em julgado relativamente ao requerente”.

          No fundo, não parece congruente que através de uma decisão administrativa de extensão dos efeitos de sentença, se possa revogar ou modificar sentença judicial anterior – o que, devido à “mistura de esferas”, poderia levantar sérios problemas constitucionais.
 

·         Apresentação do requerimento à entidade administrativa demandada, pessoa colectiva pública ou ministério - art.161º/3 CPTA.

             Neste requisito, o meu desacordo com o novo regime é mais evidente.
             Assim, se por um lado é um mecanismo que permite à Administração resolver um litígio ainda em fase embrionária, sem sobrecarregar os tribunais, por outro lado, atribuir esta competência a entidades administrativas parece-me um retrocesso aos traumas de infância e confusão entre orlas de poder administrativo e judiciário.

 
Conclusões…
 
             De forma geral, acompanhando a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva, parece-me que, também aqui, há sinais de um crescimento do Contencioso Administrativo.

Com este mecanismo do art.161º CPTA, parece-me que se conseguiu alcançar um meio de redução de custos, tanto aos particulares, como à Administração, conferindo maior eficiência e celeridade procedimental.

 

             Lembram-se, agora, da chamada de atenção que, na altura, fiz relativamente a decisões de impugnação do IMI?

 

Diogo Gomes

19586



[1] Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro, alterada pela Leinº4-A/2003 de 19 de Fevereiro, pela Lei nº58/2008 de 11 de Setembro e, ainda, pela Lei nº63/2011 de 14 de Dezembro.
[2] Veja-se por exemplo o art.173º/1 CPTA.
[3] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2ª edição, Dom Quixote, 2010.
[4] Entrada em vigor do CPTA ocorrida a 1 de Janeiro de 2004.
[5] Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro.
[6] Embora haja doutrina que ainda subdivide estes objectivos, dada a similitude, parece-me que podemos englobar os mesmos apenas em dois grupos. Cfr. JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso administrativo”, in Estudo em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I, 2012, Almedina.
[7] Art.161/2 CPTA.
[8] Cfr. Ac STA de 16 de Setembro de 2010, como exemplo dessa dificuldade.
[9] Aqui, insiro todas as situações dotadas de fungibilidade suficiente incapaz de alterar o resultado final. Por exemplo, identidade do particular e data em que o facto ocorreu.
[10] No fundo, acaba por haver, a meu ver, uma alusão à causa de pedir - que surge no processo administrativo constituída pelos factos concretos e essenciais que constituem a posição jurídica invocada, e pelas razões de direito em que se baseia a pretensão.
[11] Ou seja, o pedido como sendo a pretensão do particular deduzida em juízo, cujo conteúdo está ligado ao litígio emergente de uma relação jurídica administrativa. VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011, Almedina.
[12] Art.161/2 CPTA.
[13] Cit. JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso administrativo”, in Estudo em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I, 2012, Almedina.
[14]  Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011, Almedina.
[15] Cfr. por exemplo, Ac STA 17 de Janeiro 2007; Ac. STA 5 de Fevereiro 2009.

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