Ultrapassada
a tentativa de esclarecimento de um comentário da minha autoria publicado neste
blog, em resposta a uma questão
colocada pelo Prof. Cláudio Monteiro, parece-me relevante debruçar-me sobre o
mecanismo de extensão dos efeitos de
sentença transitada em julgado a situações semelhantes.
Neste
sentido, tentarei avançar com uma breve descrição e opinião sobre o instrumento
legal enunciado supra e previsto no
art.161º Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA),
consequente à Reforma do Contencioso
Administrativo[1].
Âmbito material…
Que tipo de pretensões poderão estar
abrangidas pelo art.161º/1 CPTA?
Primeiramente, é
importante interpretar o art.161º como um todo, de modo a facilitar o
entendimento do escopo do legislador.
Contudo,
analisado o preceito, há questões de âmbito material que têm sido alvo de
divergência doutrinária e que merecem posição pessoal, nomeadamente a
referência literal à “anulação de actos”,
e a aplicabilidade deste mecanismo de extensão dos efeitos de sentença apenas a
actos plurais ou gerais.
1. Não querendo desrespeitar nenhuma opinião
contrária, sou da opinião de que a expressão “anulação” presente no art.161/1 tem de ser interpretada de modo
amplo e extensivo.
Ou
seja, até por motivos de integração sistemática e coerência normativa, no
preceito em análise estão abrangidas todas as situações em que tenha sido
considerado determinado acto nulo, anulável ou inexistente[2].
2. Por outro
lado, relativamente à opinião do art.161º/1 se reportar apenas a actos plurais
ou gerais[3], esta
também não me parece de fácil aceitação.
Partindo da letra do artigo, esta aponta-nos não só para sentenças
que “que tenha(m) anulado um acto
administrativo desfavorável”, mas também para o reconhecimento de uma “situação jurídica favorável”.
Por mais estranho que possa ser este
argumento de base literal, não me parece sequer que esteja aqui exigida a incidência
da sentença sobre um acto administrativo formal, mas sobre a generalidade da
actuação da Administração, e, muito menos, sobre um acto geral ou plural.
Âmbito temporal….
Outra
questão que surge é a de saber se a extensão dos efeitos das sentenças de casos
idênticos se aplicam a situações jurídicas ocorridas antes da reforma[4].
Aqui não parece que
possa haver grandes dúvidas. Assim, com todo o respeito a diferentes opiniões,
se analisarmos o art.5º do instrumento legal que aprovou o CPTA[5], parece
não restar grandes dúvidas que é de aplicar retroactivamente a solução plasmada
no artigo.
Ou seja, não
vejo por que motivo aos pedidos judiciais para extensão dos efeitos, sobretudo
em situações de indeferimento ou de “silêncio” da Administração, não possa ser
aplicado o art.161ºCPTA. Isto porque o art.5º/4 da lei que aprovou o CPTA
dispõe que “as novas disposições
respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos processos executivos
que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo Código”. Ora, não
querendo ser demasiado literal ou sistemático, é importante localizar o
art.161º CPTA – “TÍTULO VIII - Do processo executivo”, “CAPÍTULO I - Disposições gerais”.
O
propósito…
Concorde-se ou
não com os resultados de qualquer reforma, é importante identificar e delimitar
os objectivos e propósitos da mesma.
Deste modo, na
minha opinião, podemos encontrar dois grandes vectores de objectivos[6] na
reforma do Contencioso, mais especificamente, através do mecanismo de extensão
dos efeitos da sentença:
1)
Promoção
do princípio da economia processual.
Este
objectivo parece sair reforçado através da desobstrução e descongestionamento
dos tribunais administrativos, impedindo não só grandes conglomerados processuais
essencialmente semelhantes, como também a repetição de processos idênticos;
2)
Valorização
do princípio da igualdade.
Por seu turno, pretende-se um igual tratamento
entre situações idênticas. Ou seja, no fundo o que este mecanismo procura passa
por uma uniformidade de tratamento de casos idênticos, evitando divergências
decisórias nos mesmos.
Assim,
com o corpo do art.161º CPTA procura-se a coerência decisória entre casos semelhantes,
resultando numa resposta de solução célere aos particulares nos seus litígios
com a Administração.
Aplicar
a “extensão dos efeitos de sentença transitada em julgado a outras situações” quando,
como e em que circunstâncias?
Efectivamente, a
aplicação deste instrumento jurídico tem de obedecer a um conjunto de
requisitos que, de forma sucinta, tentarei apresentar.
·
“Situações em que existam vários casos
perfeitamente idênticos[7]”.
Este, no meu entender, deverá ser o
requisito mais importante para viabilizar a aplicação do mecanismo em causa,
mas, igualmente, o mais difícil de identificar[8].
Por
uma questão de aplicabilidade e utilidade do artigo 161º CPTA, no meu entender,
o que se exige não é uma coincidência absoluta entre a situação relativa ao
particular interessado na extensão dos efeitos e casos anteriores. Ou seja, o
que importa para a similitude entre casos é a questão jurídica concreta e os perímetros factuais em que se insere,
permitindo a sua delimitação e identificação. Tudo isto leva-me a desconsiderar
a importância de situações
circunstanciais[9],
relevando antes a similitude de factos[10] e
efeitos pretendidos[11] e
obtidos.
·
“Tenham
sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou existindo situações de
processos em massa[12]”.
Outro
requisito que merece alguma discussão crítica é o que consta do art.161º/2,
nomeadamente as cinco sentenças transitadas
em julgado no mesmo sentido, ou três sentenças
derivadas de processos seleccionados segundo o disposto no art.48.º CPTA - processos
em massa. Aqui, talvez se deva explicar, ainda que de forma breve, o motivo da
diferença de números exigidos.
A menor exigência
de sentenças emitidas nos termos do art.48º advém do facto de, nesses casos,
ter ocorrido, no mínimo, uma prévia identificação de vinte e um processos
semelhantes. Então, numa sentença emitida por aplicação do art.48º já sabemos
que os “tribunais administrativos
reconheceram um potencial de aplicação a um elevado número de outros processos
pendentes”[13]
– aquilo que parece ser uma exigência menor, 3 sentenças, acaba por implicar um
número enormemente elevado de processos[14].
Por
este mesmo motivo, não me parece absurdo avançar com a hipótese de no art.161º apenas
se exigir uma sentença com as características seleccionadas, considerando mesmo
excessivo o requisito de 3 sentenças. Donde, de acordo com o primeiro objectivo
referido supra, seria suficiente a
existência de vinte e um processos idênticos.
Por outro lado, a
primeira opção do artigo passa por existirem, pelo menos, cinco sentenças com
decisões formalmente idênticas. Aqui, o que se tenta evitar é atribuir o risco
a um único juiz de, através da sua decisão, estender os efeitos da sua sentença
– pense-se na insegurança jurídica que seria havendo divergência
jurisprudencial.
Porém, aproveito
para lançar a discussão: será que podemos inserir pedidos apresentados pelos
particulares para extensão dos efeitos no art.161º, no que respeita a sentenças
transitadas em julgado antes da entrada em vigor do CPTA?
Avançando de forma
breve com a minha posição, parece-me que da actividade do STA[15], da letra
do art.161º CPTA, do referido art.5º da lei que aprovou o CPTA e, sobretudo,
tendo em conta os objectivos de uniformização jurisprudencial e promoção do
princípio da igualdade, podemos retirar que se pretendeu abranger sentenças
emitidas antes da reforma.
·
“Inexistência
de sentença transitada em julgado relativamente ao requerente”.
No fundo, não parece congruente que
através de uma decisão administrativa de extensão dos efeitos de sentença, se
possa revogar ou modificar sentença judicial anterior – o que, devido à “mistura
de esferas”, poderia levantar sérios problemas constitucionais.
·
Apresentação do requerimento à entidade
administrativa demandada, pessoa colectiva pública ou ministério - art.161º/3
CPTA.
Neste requisito, o meu desacordo
com o novo regime é mais evidente.
Assim, se por um lado é um
mecanismo que permite à Administração resolver um litígio ainda em fase
embrionária, sem sobrecarregar os tribunais, por outro lado, atribuir esta
competência a entidades administrativas parece-me um retrocesso aos traumas de
infância e confusão entre orlas de poder administrativo e judiciário.
Conclusões…
De
forma geral, acompanhando a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva, parece-me
que, também aqui, há sinais de um crescimento do Contencioso Administrativo.
Com este
mecanismo do art.161º CPTA, parece-me que se conseguiu alcançar um meio de
redução de custos, tanto aos particulares, como à Administração, conferindo maior
eficiência e celeridade procedimental.
Lembram-se,
agora, da chamada de atenção que, na altura, fiz relativamente a decisões de
impugnação do IMI?
Diogo Gomes
19586
[1] Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro, alterada pela
Leinº4-A/2003 de 19 de Fevereiro, pela Lei nº58/2008 de 11 de Setembro e,
ainda, pela Lei nº63/2011 de 14 de Dezembro.
[2] Veja-se por exemplo o art.173º/1 CPTA.
[3] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS,
“Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2ª edição, Dom Quixote, 2010.
[4] Entrada em vigor do CPTA ocorrida a 1 de Janeiro de
2004.
[5] Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro.
[6] Embora haja doutrina que ainda subdivide estes
objectivos, dada a similitude, parece-me que podemos englobar os mesmos apenas
em dois grupos. Cfr. JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A extensão dos efeitos de sentenças
a casos idênticos no contencioso administrativo”, in Estudo em Homenagem a
Miguel Galvão Teles, Volume I, 2012, Almedina.
[7] Art.161/2 CPTA.
[8] Cfr. Ac STA de 16 de Setembro de 2010, como exemplo
dessa dificuldade.
[9] Aqui, insiro todas as situações dotadas de
fungibilidade suficiente incapaz de alterar o resultado final. Por exemplo,
identidade do particular e data em que o facto ocorreu.
[10] No fundo, acaba por haver, a meu ver, uma alusão à causa de pedir - que surge no processo
administrativo constituída pelos factos concretos e essenciais que constituem a
posição jurídica invocada, e pelas razões de direito em que se baseia a pretensão.
[11] Ou seja, o pedido
como sendo a pretensão do particular deduzida em juízo, cujo conteúdo está
ligado ao litígio emergente de uma relação jurídica administrativa. VIEIRA DE
ANDRADE, “A Justiça Administrativa”
Lições, 2011, Almedina.
[12] Art.161/2 CPTA.
[13] Cit. JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A extensão dos efeitos de
sentenças a casos idênticos no contencioso administrativo”, in Estudo em
Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I, 2012, Almedina.
[14] Cfr. VIEIRA DE
ANDRADE, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011, Almedina.
[15] Cfr. por exemplo, Ac STA 17 de Janeiro 2007; Ac. STA 5
de Fevereiro 2009.
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