A Acção Popular: breves notas
A
acção popular é vista como um direito fundamental, enquanto direito de acesso
aos tribunais e, correlativamente, com ampla legitimidade para a sua
propositura. Tal direito deve ser postulado por membros de uma «determinada
comunidade», não sendo possível uma apropriação individual do mesmo. Deste
modo, o autor popular age sempre no interesse geral da colectividade, ou da
comunidade a que pertence.
Na
Constituição da República Portuguesa, o direito de acção popular é conexo ao direito
de acesso aos tribunais (artigo 20.º), sendo previsto no artigo 52.º, n.º3, «É conferido a todos, pessoalmente ou através
de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular de
associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos
casos e termos previstos na lei (…)»
Desta
forma, o instituto em causa confere um alargamento da legitimidade em relação a
outros institutos processuais de defesa dos direitos fundamentais.
A antiga
configuração constitucional da acção popular visava a fiscalização dos cidadãos
sobre a legalidade objectiva da actuação administrativa. As revisões constitucionais
de 1989 e 1997 revelaram significativas mudanças, destacando-se as seguintes:
(i) a acção popular, além de poder ser exercida pelos cidadãos, alargou a sua
legitimidade activa a associações; (ii) o interesse visado nesta acção passou a
ser a tutela de interesses jurídico-materiais de natureza homogênea; (iii) a possibilidade
de acção popular em face de entidades privadas; (iv) a possibilidade de os
lesados pedir uma indemnização.
NUNO
ANTUNES[1]
vem definir a acção popular como um direito de acção judicial atribuído a
qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas
colectivas que visem a defesa de interesses determinados, que permite requerer
a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado, com o fim de assegurar a
tutela de certos interesses comunitários aos quais a CRP confere uma protecção qualificada,
bem como de exigir a reparação dos danos que lhe sejam causados.
É
assim de entender que, o direito de participação na acção popular constitui um “alargamento”
da legitimidade processual e também procedimental, fazendo com indivíduos e
pessoas colectivas que não possuem um interesse directo na acção, possam
tornar-se sujeitos de uma relação jurídica.
A propósito
da questão ambiental e dos interesses colectivos e a sua relação com o direito
de acção popular, LEBRE FREITAS vem considerar que o interesse colectivo se
reconduz a uma comunidade genericamente organizada, cujos membros são identificáveis,
mas sem que essa organização se processe nos termos de uma pessoa colectiva[2].
E,
de facto, os bens jurídicos a serem tutelados numa acção popular podem ser
diversos: a saúde pública, o direito dos consumidores – protecção do consumo de
bens e serviços, a qualidade de vida, a preservação do ambiente, a protecção e preservação
do património histórico e cultural ou a defesa de bens de entidades públicas
territoriais[3].
Para
além dos particulares e de pessoas colectivas, é de entender que também o
Ministério Publico pode intervir nas acções populares, sendo que lhe compete "defender a legalidade e promover a
realização do interesse público". Mesmo quando actua no interesse dos
particulares, nomeadamente através da acção popular, o objectivo último do
Ministério Público é o interesse colectivo e a fiscalização da legalidade (51.º
ETAF). No seio da acção popular, o Ministério Público fiscaliza a legalidade,
representa o Estado quando este ou outras pessoas jurídicas de direito público
forem parte na causa, desde que autorizado por lei
Quanto
à legitimidade do autor popular, VASCO PEREIRA DA SILVA[4]
vem referir que a lei parece determinar duas modalidades de acção: (i) a genérica
(art.55.º/1 al. f) CPTA), remetendo para o art.9.º/2 CPTA, englobando
particulares e pessoas colectivas que actuam para a defesa da legalidade e do
interesse publico; e (ii) a de âmbito autárquico (art.55.º, n.º2 CPTA), segundo
a qual «a qualquer eleitor, no gozo dos
seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações adoptadas
por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre
recenseado».
Conclui
VASCO PEREIRA DA SILVA, que não já se justifica manter a dualidade de regimes
desta acção popular, entendendo que a previsão da «acção popular correctiva»
caducou, em face da «acção popular genérica», dado os amplos requisitos desta última.
Para
além de regida pelo artigo 55.º CPTA, a acção popular é também regulada pela
Lei 83/95 de 31 de Agosto que considera terem legitimidade activa «quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos
civis e políticos e as associações e fundações (…) independentemente de terem
ou não interesse directo na demanda» artigo 2.º, n.º1 da referida lei.
Assim,
para que seja admitida acção popular, deve observar-se não só a legitimidade
mas também o interesse em agir. E, de facto, os cidadãos podem, defender quaisquer
interesses, inclusive os individualizados. Já as associações e fundações, ficam
restritas aos interesses colectivos e difusos que componham os seus respectivos
fins.
Importa
ainda referir que a Lei 83/95 de 31 de Agosto estabelece uma legitimidade
concorrente e autónoma, no sentido de que a legitimidade de uma pessoa não exclui
as restantes, podendo qualquer um dos legitimados exercer direito de acção, sem
necessidade de intervenção dos demais.
- Para os interessados, segue um acórdão do STJ: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1db6e4a1a7cadeed80256de5005292d4?OpenDocument
[1]
ANTUNES, Nuno Sérgio Marques, O direito
de acção popular no contencioso administrativo português, Lisboa, Lex.
1997, pp.27 e ss.
[2]
FREITAS, José Lebre de, A acção popular
ao serviço do ambiente, Ab Vino Ad Omnez, 75 anos de Coimbra Editora,
Coimbra 1998
[3]
Como descrito pelo artigo 1.º, n.º2 da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto.
[4] SILVA,
Vasco Pereira da – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.
2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 370 e 371
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.