terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Acção Popular: breves notas


A Acção Popular: breves notas

A acção popular é vista como um direito fundamental, enquanto direito de acesso aos tribunais e, correlativamente, com ampla legitimidade para a sua propositura. Tal direito deve ser postulado por membros de uma «determinada comunidade», não sendo possível uma apropriação individual do mesmo. Deste modo, o autor popular age sempre no interesse geral da colectividade, ou da comunidade a que pertence.

Na Constituição da República Portuguesa, o direito de acção popular é conexo ao direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º), sendo previsto no artigo 52.º, n.º3, «É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei (…)»

Desta forma, o instituto em causa confere um alargamento da legitimidade em relação a outros institutos processuais de defesa dos direitos fundamentais.

A antiga configuração constitucional da acção popular visava a fiscalização dos cidadãos sobre a legalidade objectiva da actuação administrativa. As revisões constitucionais de 1989 e 1997 revelaram significativas mudanças, destacando-se as seguintes: (i) a acção popular, além de poder ser exercida pelos cidadãos, alargou a sua legitimidade activa a associações; (ii) o interesse visado nesta acção passou a ser a tutela de interesses jurídico-materiais de natureza homogênea; (iii) a possibilidade de acção popular em face de entidades privadas; (iv) a possibilidade de os lesados pedir uma indemnização.

NUNO ANTUNES[1] vem definir a acção popular como um direito de acção judicial atribuído a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas colectivas que visem a defesa de interesses determinados, que permite requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado, com o fim de assegurar a tutela de certos interesses comunitários aos quais a CRP confere uma protecção qualificada, bem como de exigir a reparação dos danos que lhe sejam causados.

É assim de entender que, o direito de participação na acção popular constitui um “alargamento” da legitimidade processual e também procedimental, fazendo com indivíduos e pessoas colectivas que não possuem um interesse directo na acção, possam tornar-se sujeitos de uma relação jurídica.

A propósito da questão ambiental e dos interesses colectivos e a sua relação com o direito de acção popular, LEBRE FREITAS vem considerar que o interesse colectivo se reconduz a uma comunidade genericamente organizada, cujos membros são identificáveis, mas sem que essa organização se processe nos termos de uma pessoa colectiva[2].

E, de facto, os bens jurídicos a serem tutelados numa acção popular podem ser diversos: a saúde pública, o direito dos consumidores – protecção do consumo de bens e serviços, a qualidade de vida, a preservação do ambiente, a protecção e preservação do património histórico e cultural ou a defesa de bens de entidades públicas territoriais[3].

Para além dos particulares e de pessoas colectivas, é de entender que também o Ministério Publico pode intervir nas acções populares, sendo que lhe compete "defender a legalidade e promover a realização do interesse público". Mesmo quando actua no interesse dos particulares, nomeadamente através da acção popular, o objectivo último do Ministério Público é o interesse colectivo e a fiscalização da legalidade (51.º ETAF). No seio da acção popular, o Ministério Público fiscaliza a legalidade, representa o Estado quando este ou outras pessoas jurídicas de direito público forem parte na causa, desde que autorizado por lei


Quanto à legitimidade do autor popular, VASCO PEREIRA DA SILVA[4] vem referir que a lei parece determinar duas modalidades de acção: (i) a genérica (art.55.º/1 al. f) CPTA), remetendo para o art.9.º/2 CPTA, englobando particulares e pessoas colectivas que actuam para a defesa da legalidade e do interesse publico; e (ii) a de âmbito autárquico (art.55.º, n.º2 CPTA), segundo a qual «a qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado».

Conclui VASCO PEREIRA DA SILVA, que não já se justifica manter a dualidade de regimes desta acção popular, entendendo que a previsão da «acção popular correctiva» caducou, em face da «acção popular genérica», dado os amplos requisitos desta última.

Para além de regida pelo artigo 55.º CPTA, a acção popular é também regulada pela Lei 83/95 de 31 de Agosto que considera terem legitimidade activa «quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações (…) independentemente de terem ou não interesse directo na demanda» artigo 2.º, n.º1 da referida lei.

Assim, para que seja admitida acção popular, deve observar-se não só a legitimidade mas também o interesse em agir. E, de facto, os cidadãos podem, defender quaisquer interesses, inclusive os individualizados. Já as associações e fundações, ficam restritas aos interesses colectivos e difusos que componham os seus respectivos fins.

Importa ainda referir que a Lei 83/95 de 31 de Agosto estabelece uma legitimidade concorrente e autónoma, no sentido de que a legitimidade de uma pessoa não exclui as restantes, podendo qualquer um dos legitimados exercer direito de acção, sem necessidade de intervenção dos demais.


  • Para os interessados, segue um acórdão do STJ: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1db6e4a1a7cadeed80256de5005292d4?OpenDocument


[1] ANTUNES, Nuno Sérgio Marques, O direito de acção popular no contencioso administrativo português, Lisboa, Lex. 1997, pp.27 e ss.
[2] FREITAS, José Lebre de, A acção popular ao serviço do ambiente, Ab Vino Ad Omnez, 75 anos de Coimbra Editora, Coimbra 1998
[3] Como descrito pelo artigo 1.º, n.º2 da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto.
[4] SILVA, Vasco Pereira da – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. 2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 370 e 371

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