Não existe uma norma de permissão
geral de arbitragem em matéria administrativa em Portugal. De acordo com o
artigo 1.º/5 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de
Dezembro, doravante LAV), o Estado e as pessoas colectivas de direito público
podem celebrar convenções de arbitragem, se estiverem especialmente autorizadas
por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.
Ora, nos litígios
respeitantes a relações de direito privado, em que as entidades públicas
figuram como se fossem sujeitos privados, trata-se de matérias que não
pertencem à jurisdição dos tribunais administrativos mas dos tribunais
judiciais, sendo, então, aplicáveis as regras de natureza processual que também
se aplicam aos privados, incluindo as que, por força da LAV disciplinam a
arbitragem, permitindo-a amplamente. Contudo, como refere o Professor Mário
Aroso de Almeida, o sentido do artigo 1.º/4 da LAV parece ser o de delimitar o
alcance da solução consagrada no seu artigo 1.º/1 que determina que qualquer
litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido à
arbitragem desde que não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do
Estado ou à arbitragem necessária, esclarecendo que a cláusula geral de arbitralidade
aí enunciada apenas tem em vista a arbitragem nos termos das relações jurídicas
de direito privado.
Quanto a arbitragem de
litígios que envolvam entidades públicas, não dizendo respeito a relações de direito
privado, já foi matéria regulada no E.T.A.F. que determinava que eram admitidos
tribunais arbitrais no domínio do contencioso administrativo contratual e de
responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública,
incluindo o contencioso das acções de regresso, sendo um ponto pacífico entre a
doutrina já que, no âmbito desse contencioso, apenas se discutem questões que
não envolvem o exercício de poderes de autoridade, sendo a função do
juiz/árbitro, correspondente à dos juízes dos tribunais judiciais.
Actualmente, a matéria
relativa à arbitragem encontra-se regulada no Título IX, artigos 180.º a 187.º
do CPTA. Desta forma, existe uma ”lei especial” para o efeito do disposto no
artigo 1.º/4 da LAV a permitir, em certos termos, o recurso a arbitragem.
Com efeito, salvaguardando
ainda outras hipóteses previstas em lei especial, o CPTA reserva a
possibilidade de constituição de um tribunal arbitral para dirimir conflitos
que respeitem a contratos, incluindo a apreciação de actos administrativos
relativos à respectiva execução (artigo 180.º/1 alínea a); responsabilidade
civil extracontratual, incluindo a efectivação do direito de regresso (artigo
180.º/1 alínea b) mas excluindo-se a responsabilidade decorrente de actos
praticados no exercício da função política e legislativa ou jurisdicional
(artigo 185.º); actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento
na sua invalidade, nos termos da lei substantiva, (artigo 180.º/1 alínea c); e litígios
emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em
causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou
de doença profissional (artigo 180.º/1 alínea d).
A introdução das
alíneas a) e c) do artigo 180.º foi inovadora já que o artigo 1.º/1 da antiga LAV
(Lei 31/86, de 29 de Agosto) proibia a apreciação pelo tribunal arbitral de
litígios que respeitassem a direitos indisponíveis, isto é, direitos em relação
aos quais não releva a vontade das partes, podendo haver litígios, à partida
enquadráveis nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art. 180.º do CPTA, que
envolvessem direitos dessa natureza. Contudo, com a alteração da LAV em 2011,
parece que deixou de se colocar tal problema tão debatido na doutrina e
jurisprudência.
Refira-se ainda que, em
qualquer das situações descritas no n.º 1 do art. 180.º, caso existam contra-interessados,
o litígio não pode ser dirimido por um tribunal arbitral, a não ser que aqueles
aceitem tal compromisso (artigo 180.º/2), que se justifica pela relevância da
tutela dos interesses dos contra-interessados no âmbito das relações jurídico-administrativas
(os quais deverão demandados por aplicação analógica do art. 57.º do CPTA;
desta forma, havendo aceitação do compromisso, a decisão proferida faz caso
julgado em relação a todos os intervenientes, em concretização do princípio da economia
processual) constituindo uma evolução legislativa já que antigamente apenas
poderiam ser dirimidos pelos tribunais estaduais os contratos que envolvessem
terceiros, ressalva importante dado que se assim não fosse a arbitragem poderia
ser utilizada para se subtrair a intervenção no litigio dos eventuais
contra-interessados.
Iniciativa da celebração
do compromisso arbitral tanto poderá pertencer a quem seja parte na relação
contratual (Administração Pública ou o seu co-contratante privado) como a um
terceiro, uma vez que o artigo 40.º/2 estende a terceiros a legitimidade para
deduzir pedidos relativos à validade e execução dos contratos da admistrição,
sem prejuízo, é claro, do disposto no artigo 180.º/2 a respeito dos
contra-interessados.
À arbitragem dos
litígios emergentes de relações jurídico-administrativas é aplicável, com
pequenas adaptações o regime geral da LAV que regula a arbitragem voluntária
relativamente a qualquer tipo de litígios (artigo 181.º). Assim, de acordo com
o artigo 1.º/1 da LAV os litígios são cometidos à decisão de árbitros mediante
convenção de arbitragem, que pode consubstanciar uma cláusula compromissória
mediante a qual as partes aceitam submeter a tribunal arbitral os eventuais
litígios que possam surgir no âmbito dessa relação, ou num compromisso arbitral
que é celebrado na presença de um litígio actual.
O CPTA no seu artigo 182.º sob a epígrafe
direito à outorga de compromisso arbitral dispõe que o interessado que pretenda
recorrer à arbitragem no âmbito dos litígios de natureza jurídico-administrativa,
pode exigir da administração a celebração de compromisso arbitral, nos termos
da lei. Coloca-se a questão de saber se o poder conferido naquele preceito
representa um direito potestativo ou não, que permita ao interessado, pela
simples declaração dirigida à Administração Pública, constitui-la no dever de
celebrar um compromisso arbitral. Segundo alguns autores, como José Luís
Esquível, estamos perante um direito potestativo, por do seu exercício unilateral
resultar a alteração da ordem jurídica. Para outros, como Mário Aroso de
Almeida, não se pode ainda afirmar um direito à outorga do compromisso
arbitral, ou pelo menos este não é ainda exercitável, uma vez que o próprio
preceito, quando remete para «os termos da lei», faz depender a existência de
tal direito de lei que especificamente venha regular os pressupostos da sua
constituição. Há ainda quem rejeite a ideia de um direito potestativo, como
João Caupers já que a lei não prevê efeitos jurídicos automáticos para a recusa
de celebração do compromisso arbitral.
Desta forma, o artigo
183.º determina que a apresentação de requerimento com base no direito à outorga
de compromisso arbitral determina a suspensão dos prazos para recorrer à
jurisdição administrativa. João Caupers vê aqui uma admissão implícita do legislador
a que o requerimento possa não ser despachado favoravelmente. As condições de
exercício do direito à outorga de compromisso arbitral constam do artigo 184.º,
enquanto que o artigo 187.º determina os termos em que pode ser autorizada a
instalação de centros de arbitragem.
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