sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Arbitragem em Matéria Administrativa


Não existe uma norma de permissão geral de arbitragem em matéria administrativa em Portugal. De acordo com o artigo 1.º/5 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, doravante LAV), o Estado e as pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se estiverem especialmente autorizadas por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.
Ora, nos litígios respeitantes a relações de direito privado, em que as entidades públicas figuram como se fossem sujeitos privados, trata-se de matérias que não pertencem à jurisdição dos tribunais administrativos mas dos tribunais judiciais, sendo, então, aplicáveis as regras de natureza processual que também se aplicam aos privados, incluindo as que, por força da LAV disciplinam a arbitragem, permitindo-a amplamente. Contudo, como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, o sentido do artigo 1.º/4 da LAV parece ser o de delimitar o alcance da solução consagrada no seu artigo 1.º/1 que determina que qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido à arbitragem desde que não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou à arbitragem necessária, esclarecendo que a cláusula geral de arbitralidade aí enunciada apenas tem em vista a arbitragem nos termos das relações jurídicas de direito privado.
Quanto a arbitragem de litígios que envolvam entidades públicas, não dizendo respeito a relações de direito privado, já foi matéria regulada no E.T.A.F. que determinava que eram admitidos tribunais arbitrais no domínio do contencioso administrativo contratual e de responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o contencioso das acções de regresso, sendo um ponto pacífico entre a doutrina já que, no âmbito desse contencioso, apenas se discutem questões que não envolvem o exercício de poderes de autoridade, sendo a função do juiz/árbitro, correspondente à dos juízes dos tribunais judiciais.
Actualmente, a matéria relativa à arbitragem encontra-se regulada no Título IX, artigos 180.º a 187.º do CPTA. Desta forma, existe uma ”lei especial” para o efeito do disposto no artigo 1.º/4 da LAV a permitir, em certos termos, o recurso a arbitragem.
Com efeito, salvaguardando ainda outras hipóteses previstas em lei especial, o CPTA reserva a possibilidade de constituição de um tribunal arbitral para dirimir conflitos que respeitem a contratos, incluindo a apreciação de actos administrativos relativos à respectiva execução (artigo 180.º/1 alínea a); responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efectivação do direito de regresso (artigo 180.º/1 alínea b) mas excluindo-se a responsabilidade decorrente de actos praticados no exercício da função política e legislativa ou jurisdicional (artigo 185.º); actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, nos termos da lei substantiva, (artigo 180.º/1 alínea c); e litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º/1 alínea d).
A introdução das alíneas a) e c) do artigo 180.º foi inovadora já que o artigo 1.º/1 da antiga LAV (Lei 31/86, de 29 de Agosto) proibia a apreciação pelo tribunal arbitral de litígios que respeitassem a direitos indisponíveis, isto é, direitos em relação aos quais não releva a vontade das partes, podendo haver litígios, à partida enquadráveis nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art. 180.º do CPTA, que envolvessem direitos dessa natureza. Contudo, com a alteração da LAV em 2011, parece que deixou de se colocar tal problema tão debatido na doutrina e jurisprudência.
Refira-se ainda que, em qualquer das situações descritas no n.º 1 do art. 180.º, caso existam contra-interessados, o litígio não pode ser dirimido por um tribunal arbitral, a não ser que aqueles aceitem tal compromisso (artigo 180.º/2), que se justifica pela relevância da tutela dos interesses dos contra-interessados no âmbito das relações jurídico-administrativas (os quais deverão demandados por aplicação analógica do art. 57.º do CPTA; desta forma, havendo aceitação do compromisso, a decisão proferida faz caso julgado em relação a todos os intervenientes, em concretização do princípio da economia processual) constituindo uma evolução legislativa já que antigamente apenas poderiam ser dirimidos pelos tribunais estaduais os contratos que envolvessem terceiros, ressalva importante dado que se assim não fosse a arbitragem poderia ser utilizada para se subtrair a intervenção no litigio dos eventuais contra-interessados.
Iniciativa da celebração do compromisso arbitral tanto poderá pertencer a quem seja parte na relação contratual (Administração Pública ou o seu co-contratante privado) como a um terceiro, uma vez que o artigo 40.º/2 estende a terceiros a legitimidade para deduzir pedidos relativos à validade e execução dos contratos da admistrição, sem prejuízo, é claro, do disposto no artigo 180.º/2 a respeito dos contra-interessados.
À arbitragem dos litígios emergentes de relações jurídico-administrativas é aplicável, com pequenas adaptações o regime geral da LAV que regula a arbitragem voluntária relativamente a qualquer tipo de litígios (artigo 181.º). Assim, de acordo com o artigo 1.º/1 da LAV os litígios são cometidos à decisão de árbitros mediante convenção de arbitragem, que pode consubstanciar uma cláusula compromissória mediante a qual as partes aceitam submeter a tribunal arbitral os eventuais litígios que possam surgir no âmbito dessa relação, ou num compromisso arbitral que é celebrado na presença de um litígio actual.
O CPTA          no seu artigo 182.º sob a epígrafe direito à outorga de compromisso arbitral dispõe que o interessado que pretenda recorrer à arbitragem no âmbito dos litígios de natureza jurídico-administrativa, pode exigir da administração a celebração de compromisso arbitral, nos termos da lei. Coloca-se a questão de saber se o poder conferido naquele preceito representa um direito potestativo ou não, que permita ao interessado, pela simples declaração dirigida à Administração Pública, constitui-la no dever de celebrar um compromisso arbitral. Segundo alguns autores, como José Luís Esquível, estamos perante um direito potestativo, por do seu exercício unilateral resultar a alteração da ordem jurídica. Para outros, como Mário Aroso de Almeida, não se pode ainda afirmar um direito à outorga do compromisso arbitral, ou pelo menos este não é ainda exercitável, uma vez que o próprio preceito, quando remete para «os termos da lei», faz depender a existência de tal direito de lei que especificamente venha regular os pressupostos da sua constituição. Há ainda quem rejeite a ideia de um direito potestativo, como João Caupers já que a lei não prevê efeitos jurídicos automáticos para a recusa de celebração do compromisso arbitral.
Desta forma, o artigo 183.º determina que a apresentação de requerimento com base no direito à outorga de compromisso arbitral determina a suspensão dos prazos para recorrer à jurisdição administrativa. João Caupers vê aqui uma admissão implícita do legislador a que o requerimento possa não ser despachado favoravelmente. As condições de exercício do direito à outorga de compromisso arbitral constam do artigo 184.º, enquanto que o artigo 187.º determina os termos em que pode ser autorizada a instalação de centros de arbitragem.

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