domingo, 16 de dezembro de 2012

Processos Urgentes


O CPTA autonomiza, no seu Título IV, o regime dos processos urgentes do contencioso administrativo. A estrutura deste título assenta numa bipartição entre “impugnações urgentes” e “intimidações”. Categorias, estas, já enunciadas no artigo 36º.
A ideia de processos urgentes, como processos principais especiais pela sua celeridade ou prioridade, radica na convicção de que determinadas circunstâncias próprias, devem ou têm de obter, quanto ao respectivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.
Nestes processos, além de as fases processuais, comparadas com os processos normais, serem abreviadas e os prazos mais curtos, consoante as espécies, todos os processos correm em férias judiciais, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, sendo os actos de secretaria praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros, e subindo os recursos imediatamente, com os prazos respectivos reduzidos a metade.
Nas primeiras incluem-se não somente as impugnações de actos administrativos em matéria eleitoral (artigo 97º e seguintes), como também faz parte um contencioso pré-contratual (artigo 100º e seguintes).
As intimidações traduzem-se em dois tipos de condenações urgentes: para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigo 104º e seguintes) e para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 109º e seguintes).

1 - “Impugnações urgentes”
                A designação legal de “impugnações” aponta para processos em que estará em causa, em primeira linha, a verificação da legalidade de pronúncias da Administração, mas tal não significa necessariamente que as correspondentes sentenças se refiram apenas à invalidade dos actos impugnados, isto é, que sejam, por definição, declarativas ou constitutivas, pois que, seguramente no caso dos processos eleitorais, mas também nos processos contratuais, pode pedir-se e obter-se a condenação directa da Administração
                Às impugnações urgentes é aplicável o que no Título III se dispõe para o processo impugnatório comum, com as adaptações que no Título IV se estabelecem: artigos 97º, nº1 e 100º, nº1.
                Estas impugnações são processos céleres, de cognição plena acelerada, que desembocam em sentenças de fundo e que transitam, com pequenas modificações, da legislação anterior para o CPTA.

a)      Contencioso eleitoral
A autonomização deste meio, como meio urgente e principal, sempre se impôs para assegurar a utilidade das sentenças e a protecção eficaz dos interessados, e a sua importância reforça-se perante o contexto actual de uma participação democrática mais intensa no âmbito da organização administrativa, designadamente nas áreas da administração autónoma.
O processo urgente eleitoral tem como âmbito material de aplicação as questões respeitantes a um procedimento eleitoral, através do qual se designam os titulares de órgãos administrativos electivos, incluindo as eleições para os órgãos burocráticos. De fora do seu âmbito ficam as questões relativas à eleição politica, como constitui exemplo a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais.
Assim, este processo urgente tem como papel a resolução de questões que englobam não só o acto eleitoral em sentido estrito ou votação (e respectiva homologação) como o seu perfil funcional abrangerá também os actos conexos, nomeadamente os pré-eleitorais (que se referem, nomeadamente, ao recenseamento, à marcação de eleições, à apresentação de candidaturas e à campanha eleitoral) e os pós-eleitorais (relativos, designadamente, ao apuramento e à verificação de poderes dos candidatos eleitos).
Em termos de legitimidade, estando em causa a protecção efectiva dos direitos de eleger e ser eleito, podem “lançar mão” do contencioso eleitoral quem na eleição em causa seja eleitor ou elegível, ou as pessoas em relação às quais, devendo existir inscrição nos cadernos e listas eleitorais, haja essa omissão (artigo 98º, nº1).
Na falta de disposição especial, o prazo é de sete dias, a contar da possibilidade do conhecimento do acto ou omissão (artigo 98º, nº2).
Este processo segue a tramitação da acção administrativa especial, com especificidades, designadamente as decorrentes do seu carácter urgente (artigo 99º).
A lei determina que este processo seja de “plena jurisdição” (artigo 97º, nº2), expressão que pretende significar que o processo não se dirige meramente à anulação ou declaração de nulidade dos actos impugnados e engloba a possibilidade de condenação imediata das autoridades administrativa, seja para assegurar a inscrição nos cadernos ou a aceitação das listas de candidatos, seja para obrigar à reforma do procedimento eleitoral.
               
b)      Contencioso pré-contratual
Já no que se refere ao “contencioso pré-contratual”, ele resulta, no essencial, da incorporação no Código do regime do Decreto-Lei nº134/98, de 15 de Maio, na parte respeitante à impugnação contenciosa de actos administrativos relativos à impugnação contenciosa de actos administrativos relativos à formação dos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e nº92/13/CEE, de 25 de Fevereiro.
Há que ter em conta que o artigo 100º, nº1 circunscreve o âmbito de aplicação do processo de impugnação urgente de actos pré-contratuais apenas à impugnação de actos administrativos relativos à formação dos contratos abrangidos por um certo âmbito de aplicação. Este processo urgente, que é o meio próprio para impugnar actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimentos de bens, serve também para directamente impugnar o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos mencionados, com fundamento na ilegalidade das suas especificações técnicas, económicas ou financeiras.
A previsão de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, público e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma protecção adequada aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas; por outro lado, garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contraentes.
O processo urgente não serve, porém, somente para isto. Prevê o CPTA que o seu objecto possa ser ampliado no sentido de apresentar soluções para situações de facto consumado que, entretanto, se geraram no seu decurso.
Por outras palavras, se não se puder evitar que a Administração celebre um contrato, enquanto o processo urgente corre – o que virá a acontecer, nomeadamente, em casos especiais em que a prossecução imediata do interesse publico exija a celebração do contrato e os interesses do requerente não sejam suficientemente relevantes que justifiquem a adopção de providencias cautelares especificas previstas no artigo 132º, nº6 – pode permitir-se a ampliação do objecto deste processo urgente à impugnação do próprio contrato, nos termos o artigo 102º, nº4 e 63º CPTA.
E igualmente perante idêntico tipo de situações consumadas, que, normalmente, decorrem da celebração do contrato enquanto o processo impugnatório urgente corre termos, se para o autor deste processo se configurar uma “situação de impossibilidade absoluta” que impeça a satisfação dos seus interesses, o CPTA autoriza o tribunal, em vez de se pronunciar quanto ao pedido formulado, a fixar o montante de indemnização, devendo ouvir as partes para esse efeito (artigo 102º, nº5).
O prazo para a apresentação do pedido é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, do conhecimento do acto (artigo 101º).
Se houver lugar a impugnações administrativas necessárias, o prazo, em caso de omissão da decisão administrativa sobre essa impugnação, é na mesma de um mês – em razão da urgência do processo – e conta-se a partir do termo do prazo legal para tal decisão.
Quanto aos restantes pressupostos, aplicam-se, por força do artigo 100º, nº1, as regras relativas à impugnação de actos, com as adaptações que se revelarem necessárias – de que se destacam as relativas à legitimidade (artigo 55º) e à prossecução da acção pelo Ministério Público (artigo 62º).
A tramitação segue a da acção administrativa especial, com algumas alterações, entre as quais se destaca a possibilidade da concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata (artigo 102º e 103º).
Em caso de procedência, a sentença será, em regra, anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou documento contratual.
Refira-se ainda que a lei estende expressamente a este processo urgente, embora com algumas diferenças, a possibilidade, admitida e geral no artigo 45º, de, em caso de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor, o juiz não proferir a sentença requerida e convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida.


2 - “Intimidações”
                Trata-se de processos urgentes de condenação, que visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos (no sentido mais amplo, em que se englobam acções e omissões, operações materiais ou simples actos jurídicos), e também, designadamente no caso da intimidação para protecção de direitos, liberdades e garantias (que vem concretizar, no domínio do contencioso administrativo, a garantia consagrada no artigo 20º, nº5 da CRP), para a prática de actos administrativos.
                A necessidade de uma resolução urgente da situação leva a que estes processos – que seguiriam normalmente a forma da acção administrativa comum ou, no caso da condenação à prática de acto administrativo, a acção administrativa especial – sigam uma tramitação especial, simplificada ou, pelo menos, acelerada.

      a) Intimidação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões
Através deste processo urgente podem os administrados não só exercer os direitos fundamentais à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos como também podem (juntamente com o Ministério Público) solicitar elementos que considerem necessários para instruir um processo ou um recurso administrativo, no caso de a Administração os não ter prestado ou ter prestado de forma insuficiente.
Este processo tem também, ainda que parcialmente, um perfil cautelar, uma vez que o pedido (de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão) pode servir para obter informações ou documentação necessárias à instrução de um processo principal. Neste caso, a intimidação produz, nos termos do artigo 106º, “efeito interruptivo” quanto aos prazos em curso para accionar este (outro) processo principal, em via judicial ou administrativa. Assim, a configuração desta intimidação como um processo principal não impede, no entanto, que ela continue a poder ser utilizada, quando necessário, com um meio acessório, apto a obter elementos destinados a instruir pretensões a deduzir pela via administrativa ou pela via contenciosa, suspendendo, nesse caso, os eventuais prazos de impugnação que estejam em curso. Isto mesmo de determina nos artigos 104º e 196º.
A intimidação pode ser pedida pelos titulares dos direitos de informação ou, na hipótese de utilização para efeitos de impugnação judicial, por todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios, incluindo os autores populares, bem como o Ministério Público, para o exercício da acção pública (artigo 104º, nº2).
Os requisitos substanciais dos direitos constam da lei substantiva, onde se ressalvam os segredos públicos e privados e se estabelecem as regras procedimentais do acesso, que devem ser interpretadas em conformidade com os preceitos constitucionais que estabelecem os respectivos direitos, que constituem direitos fundamentais procedimentais, análogos aos direitos, liberdades e garantias.
A legitimidade passiva parece caber, nos termos gerais, à pessoa colectiva ou ao ministro a que pertence o órgão em falta (artigo 10º, nº2).
A utilização deste meio pressupõe o incumprimento pela Administração do dever de informar ou de notificar, valendo, por isso, a exigência do pedido anterior do interessado como pressuposto processual.
O prazo é de vinte dias, a partir da verificação da não satisfação do pedido, a partir da omissão, do indeferimento expresso ou do deferimento parcial (artigo 105º).

b) Intimidação para protecção de direitos, liberdades e garantias
Esta protecção acrescida justifica-se, na sua substancia, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana, e, na sua oportunidade, pela consciência do perigo acrescido da respectiva lesão que, nas sociedades actuais, decorre sobretudo de o seu exercício depender, de modo cada vez mais intenso, de actuações administrativas não apenas negativas, mas também positivas.
Pode utilizar-se este meio quando a emissão célere de uma decisão de mérito do processo que imponha à administração uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia (artigo 109º).
Exige-se, desde logo, a urgência da decisão para evitar a lesão ou inutilização do direito, sem a qual deverá haver lugar a um acção administrativa normal, seja comum ou especial.
Para Isabel Celeste M. Fonseca, da interpretação e da valoração dos conceitos imprecisos previstos no artigo 109º, parece que fica clara a natureza subsidiária da intimidação.
A necessidade desta intimidação urgente, sob a forma de decisão de fundo, afere-se pela impossibilidade ou insuficiência da intimidação urgentíssima provisória, sob a forma de decisão cautelar, para assegurar uma protecção eficaz destes direitos.
A indispensabilidade de uma decisão de mérito e a impossibilidade ou insuficiência da medida cautelar urgentíssima provisória constituem, assim o centro do conjunto dos pressupostos de admissibilidade do processo urgente.
A intimidação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja, quando para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de protecção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo, acção administrativa comum) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente.
A legitimidade para esta intimidação pertence aos titulares dos direitos, liberdades e garantias, enquanto posições jurídicas subjectivas, embora se possa admitir a acção popular, desde que tal respeite a disponibilidade legítima dos direitos pelos titulares.
O conteúdo do pedido será a condenação na adopção de uma conduta positiva ou negativa por parte da administração, que pode consistir mesmo na prática de um acto administrativo (artigo 109º, nº1 e 3).
Ainda que a legitimidade passiva pertença à pessoa colectiva ou Ministério, também aqui deve identificar-se, sempre que possível, a autoridade competente, que, tendo em consideração a urgência do processo, deve poder ser directamente citada e intimidada.
O pedido de intimidação pode ainda ser dirigido contra concessionários ou contra quaisquer particulares, mesmo que não disponham de poderes públicos – embora se deva estar perante uma relação jurídica administrativa. Estas acções contra particulares serão, por isso, utilizadas, nomeadamente, para suprir a omissão administrativa das providências adequadas à prevenção ou repressão das condutas lesivas de direitos de outrem.
É ainda de salientar que, a utilização deste meio é ainda favorecida do ponto de vista económico, na medida em que não haverá lugar nestes processos ao pagamento de custas.
A estas intimidações são aplicáveis as regras gerais de execução de sentenças condenatórias, incluindo as relativas à responsabilidade civil, disciplinar e criminal.
No entanto, não se admite, nestes casos, a invocação de causa legítima de inexecução, isto é, de impossibilidade ou de grave lesão para o interesse público decorrente do cumprimento da sentença.
Também aqui a lei prevê a possibilidade de fixação pelo juiz de sanções pecuniárias compulsórias, imediatamente na sentença condenatória ou em despacho posterior.


• É de assinalar, por fim, que o Título IV do CPTA se limita a estabelecer o regime dos principais processos urgentes do contencioso administrativo – sem prejuízo, portanto, da existência de outros, consagrados em lei especial. Assim, a enumeração legal não implica o estabelecimento de um numerus clausus que exclua a possibilidade de outros processos revestirem carácter urgente, o que acontece, quer com os processos relativos a providências cautelares, quer com outros processos principais, especiais ou em especiais circunstâncias.

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