sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Procedimento cautelar no contencioso administrativo

"Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito à acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva." - Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República portuguesa Anotada", vol.I, 4ª Edição, Coimbra, 2007, pág.374

Versa o presente texto sobre o procedimento cautelar no contencioso administrativo, que se reveste de especial importância para salvaguarda da tutela judicial efectiva, visto que visa acautelar o efeito útil de uma decisão judicial.
Antes da Reforma do contencioso administrativo de 2002, encontrava-se em vigora a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos ( LPTA), aprovada pelo Decreto-lei nº 267/85. Nesse âmbito, em relação ao procedimento cautelar, previa-se, no seu artigo 76º, a possibilidade de requerer aos Tribunais Administrativos que decretassem a suspensão da eficácia do acto administrativo. Para accionar este meio era necessário que estivessem cumpridos os seguintes requisitos cumulativos:
  • a execução do acto administrativo causasse prejuízo de difícil recuperação para o requerente;
  • a suspensão não causasse grave lesão do interesse público;
  • do processo não resultasse forte indícios da ilegalidade da interposição do recurso.
Este único meio cautelar, não obstante a sua importância, não se mostrava suficiente para assegurar o interesse principal subjacente ao procedimento cautelar, que será assegurar a utilidade da sentença final no processo principal.
Com a Reforma de 2002, que institui o Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA), Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro, que entretanto foi alterada e republicada pela Lei nº4-A/2003, veio a estabelecer no art.112º/1 CPTA, a admissibilidade de qualquer providência cautelar, desde que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.
Do nº2 do art.112º consta um elenco, meramente exemplificativo, de providência cautelares. À luz do preceito agora em análise, as providências cautelares podem ser antecipatórias ou conservatórias. As providências cautelares antecipatórias visam que certo direito seja conferido provisoriamente, pelo que institui uma inovação na ordem jurídica preexistente. Por exemplo, atribuição provisória de um determinado subsídio. Neste tipo de providência, o requerente ver-se-à incumbido de demonstrar que, para além de existir um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora), a pretensão que formulou, ou visa formular, no processo principal será provavelmente julgada procedente (fumus boni iuris) - art.120º/1, al. c) do CPTA.
As providências cautelares conservatórias destinam-se a salvaguardar o status quo existente à data da interposição do procedimento cautelar, evitando que se produza determinado efeito que seja nefasto. Por exemplo: suspensão da eficácia do acto administrativo. Neste tipo de providências, o requerente terá de demonstrar que a pretensão que formulou, ou visa formular, no processo principal não é manifestamente infundada (fumus non malus iuris) e existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora).
Em ambos os tipos de providências sempre se terá de fazer um juízo de ponderação entre os benefícios, públicos ou privados, e os danos que resultem da sua concessão. Se os danos se mostrarem superiores, o Tribunal recusará a concessão da providência, ao abrigo do art.120º/2 do CPTA.
Enfim, torna-se mister interpretar o disposto do art.120/1, al.a) do CPTA: como existe uma situação de fumus boni iuris especialmente qualificada não será necessário proceder ao juízo de proporcionalidade supra referido. No entanto, pensamos que o requerente deverá possuir interesse em agir ao requerer a concessão da providência, isto é, a não concessão da providência lhe causará prejuízo. De notar que o Tribunal não é obrigado a decretar a providência que haja sido requerida pelo particular, podendo decretar, se necessário, contra providências, nos termos do art.120º/3 do CPTA.
Freitas do Amaral veio defender que caso o tribunal possua uma dúvida insanável sobre se deve ou não conceder a providência que lhe seja solicitada dever-se-à analisar o conteúdo do direito em causa. 
As providências, no sistema cautelar constante do CPTA, têm como características:
  • instrumentalidade - art.113º/2
  • provisoriedade - art.124º
  • sumario cognito - art.114º/3, al.g)

O art.131º CPTA prevê um regime de especial importância para a protecção dos direitos fundamentais. Nestes termos julgamos que a decretação provisória da providência poderá ocorrer em dois casos:
  1. quando o exercício de um direito, liberdade ou garantia, apenas seja possível num curto espaço de tempo, que não se coadune com o procedimento cautelar normal;
  2. quando, não obstante não se encontrarem preenchidos os requisitos anteriores, exista uma situação de especial urgência.
Quando estas situações ocorram deverá a decisão de conceder ou não a providência ser tomada de forma expedita, sendo por natureza provisória, segundo o art.131º/6 CPTA.
Analisando o nº3 do art.131º CPTA, julgamos que o mesmo preceito se aplicará não só quando o particular apresente um requerimento à concessão de uma providência cautelar no ãmbito do art.131º/1, ou seja, decretação provisória de uma proviência, mas também em relação aos pedidos apresentados no procedimento cautelar comum. A decretação que se baseie na possibilidade de uma lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia vem garantir a salvaguarda de direito fundamentais que representam o núcleo base da tutela da dignidade da pessoa humana, pelo que caberá ao Tribunal agilizar o seu procedimento para evitar a lesão de tais direitos, mesmo que o requerente não clame por uma especial protecção.
Nestes termos cabe distinguir decretação provisória e intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias que, embora se destinem à protecção de um direito, liberdade ou garantia do particular face a actuações da Admiistração ou de certos particulares, têm campos de aplicação dispares.
A intimação deverá ser utilizada quando, para protecção que seja requerida pelo particular, apenas seja possível mediante uma decisão, a título definitivo, do mérito da causa. É um processo principal urgente, não sendo assim necessário uma decisão posterior do Tribunal, excepto no que concerne à execução da sentença. Já a decretação apenas poderá ser utilizada de forma a salvaguardar a decisão a proferir no processo principal, a que a providência se encontra adstrita. Assim concluímos que os casos em que se faça uso de um ou de outro não se sobrepõem.

Bibliografia:

Mário Aroso de Almeida, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010, págs. 409-415, 437-490
Miguel Prata Roque, "Reflexões sobre a reforma da tutela cautelar administrativa", Coimbra, 2005

João Lima
Nº19678




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