sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Situações de Legitimidade Plural


A pluralidade de partes no processo ocorre quando vários autores litigam com um só demandado ou quando um só autore acciona vários demandados. O CPTA ad­mi­te nos mais amplos termos a existência de situações de plu­ra­li­da­de de partes, seja sob a for­ma da coligação, seja sob a forma do litisconsórcio, neces­sá­rio ou voluntário.
O CPTA é, na verdade, bastante claro no que toca à definição do regime da coligação que se define por uma situação de pluralidade de partes e de relações jurídicas, sendo cada pedido pedido formulado por cada autor contra cada um dos réus, permitindo num único processo vários pedidos diferentes com fundamentos diferentes, con­­­sagrado no artigo 12º, com âmbito geral para todo o contencioso ad­mi­nis­trativo.
Já o litisconsórcio pressupõe a co-titularidade da relação jurídica entre os litisconsortes, ou seja, a existência de uma única relação material, sendo o pedido formulado por todos os autores contra o réu ou contra todos os réus pelo autor.
Resulta da natureza das coisas e da aplicabilidade supletiva do CPC a pos­sibilidade da existência de situações de li­tis­con­sór­­cio necessário sempre que se pre­en­cham os requisitos genericamente previstos no arti­go 28º do CPC, como também é suple­ti­va­mente aplicável ao contencioso administrativo o regime do CPC no que se refere ao litis­con­­sórcio voluntário. Ao referir-se genericamente à possibilidade de particulares serem de­man­da­dos “no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades pú­bli­cas ou com outros particulares”, o artigo 10º, nº 7, tem, aliás, nesse sentido, o alcance de admitir, nos mais amplos termos, a possibilidade da constituição de situa­ções de litisconsórcio vo­lun­­tário passivo, quando se dis­cu­tam relações jurídicas que di­­gam simultaneamente respeito a entidades públicas e a en­ti­da­des privadas, abrindo, desse modo, a porta à aplicação supletiva do disposto nos arti­gos 27º e 31º-B do CPC.

O artigo 10º, nº 1, tem, entretanto, o cuidado de fazer referência à eventual ne­cessidade de a acção não ser apenas proposta “contra a outra parte na relação ma­te­rial controvertida”, mas também, “quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades ti­tu­­lares de inte­res­ses contrapostos aos do autor”. A referência dirige-se claramente aos cha­ma­dos contra-in­te­res­sados, categoria que o CPTA expressamente prevê nos artigos 57º e 68º, nº 2, e que se pode definir como cor­res­­­pondendo às pessoas cuja esfera jurídica pode ser directamente afectada pela decisão a proferir no processo. Não é por acaso que o Código faz referência específica aos contra-interessados nos arti­gos 57º e 68º, nº 2 a propósito da impugnação de actos administrativos e da con­­denação à prática desse tipo de actos. Trata-se, na verdade, de domínios em que a acção é pro­posta contra a Ad­mi­nis­tra­ção, contra a entidade que praticou ou que omitiu ou re­cusou o acto administrativo, mas em que há sujeitos que também são partes no litígio, na medida em que os seus interesses coincidem com os da Administração e po­dem ser directamente afectados na sua consistência jurídica com a procedência da acção. Neste ponto reside a especificidade da situação, que justifica a sua autonomização em relação à previsão genérica, de âmbito mais alargado do que o artigo 10º, nº 7.
As relações jurídicas relacionadas com o exercício de poderes de au­­­to­­ridade por parte da Administração são, na verdade, frequentemente complexas, en­vol­vendo um con­­­­­­­­junto alargado de pessoas cujos interesses são afectados pela actua­ção da Administração. Se, num caso concreto, há um in­te­­­ressado que pre­ten­de a anu­­lação de um acto administrativo que considera ilegal ou a prática de um acto administrativo que considera devido, é nor­mal que também exis­tam in­te­­res­sados que, sendo beneficiários do acto ilegal ou podendo ser afectados pelo acto devido, tenham in­te­resse em que ele não seja anu­lado e, pelo contrário, se mantenha na ordem jurí­di­ca, ou que ele não seja praticado e, portanto, tudo se mantenha como está.
É certo que o objecto des­tes pro­ces­sos não se define por re­fe­rên­cia às situações sub­jectivas dos contra-interessados, titulares de interesses contrapostos aos do autor, mas à po­si­ção em que a Ad­ministração se en­con­tra colo­ca­da, no quadro do exercício dos seus poderes de au­to­ri­dade. Com efeito, a discussão em juízo centra-se na questão de saber se se anula ou não o acto ad­mi­nis­­tra­tivo, se se condena ou não a Administração a praticar um acto ad­mi­nis­tra­tivo mas essa cir­cunstância não retira aos contra-interessados a sua qua­lidade de verdadeiras par­­­tes na relação jurídica e no litígio, para o efeito de deverem ser demandadas em juí­zo. É o que resulta do artigo 10º, nº 1 “in fine”, que re­co­nhe­­ce aos con­tra-in­­­teressados o estatuto de ver­da­deiras partes de­man­­da­das, em si­tuação de litis­con­sór­cio necessário passivo e unitário com a enti­da­de pública, com to­das as con­­sequências que daí advêm.
Por este motivo, tem o CPTA o cuidado de, tanto no artigo 57º, como no artigo 68º, nº 2, densificar o conceito de contra-interessados e, em particular, o cuidado de o cir­cuns­cre­ver às pessoas “que possam ser identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”. Está aqui presente o propósito de ob­jectivizar a operação de delimitação do universo dos “titulares de interesses con­tra­pos­tos aos do autor” que devem ser demandados no processo (artigo 10º, nº 1), atendendo às con­­sequências gravosas que resultam da sua falta de citação: ile­gitimidade passiva que obs­ta ao conhecimento da causa (cfr. artigos 78º, nº 2, alínea f), 81º, nº 1, e 89º, nº 1, alí­­nea f)) e inoponibilidade da decisão judicial que porventura venha a ser proferida à re­velia dos contra-interessados (cfr. artigo 155º, nº 2).

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