segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O Contencioso Administrativo na história de Portugal

O Contencioso Administrativo Português não nasceu em Portugal, por mais estranho que pareça, antes foi “trazido” de França e da Alemanha, e baptizado de “tipo continental”.
Passou a fazer parte da história de Portugal, mais precisamente da história do Direito Português já em pleno séc. XIX.
A construção do contencioso administrativo foi profundamente influenciada pelo Estado liberal, talvez pelo facto da sua infância, difícil nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, ter sido vivida durante o advento liberalista.
O então jovem Contencioso Administrativo foi contemporâneo de figuras como : poder executivo centralizado e concentrado no governo, regulação unitária da actuação dos poucos, ou muito poucos, organismos públicos. Com a transição para o Estado Social e posteriormente para o pós-social, verificou-se uma progressiva desconcentração e descentralização de poderes isto porque o Estado passou a preocupar-se com a satisfação de necessidades colectivas da sociedade, surgem novos direitos sociais como o direito à saúde ou o direito à educação trabalho e habitação. Surge, enfim, uma nova Administração, a Administração prestadora ou Estado Providência, oriundo. Passa a existir então uma separação entre governo e administração, estes dois deixam de se ser sinónimos, o que levou a uma autonomização do poder local em relação ao poder central, e uma maior amplitude das entidades públicas.
Se analisarmos a posição defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, vemos como estes aspectos históricos influenciaram a evolução do contencioso administrativo português. A evolução do contencioso administrativo ocorre em três fases: a primeira; a do “pecado original” que é marcada pela promiscuidade entre as tarefas de administrar e julgar, a segunda a do “baptismo “, que corresponde à plena jurisdicionalização, uma vez que a justiça administrativa vai libertar-se da administração, adquirindo a natureza de uma jurisdição autónoma; e por fim a fase da “confirmação“, pois é reafirmada a sua natureza jurisdicional, passando o juiz a ter independência em relação à administração, e consagrando-se a protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares, afirmando assim a tutela subjectiva. Seguindo assim o modelo alemão, ao qual o nosso contencioso foi beber, a par com o sistema francês, várias influências.
Esta fase da “confirmação” do Contencioso Administrativo, tem dois sub-períodos distintos, correspondendo o primeiro, já referido, ao período de constitucionalização e o segundo, ao período da europeização. O período da europeização é marcado por aspectos demonstrativos da progressiva influência exercida pelo ordenamento europeu no ordenamento nacional.
Tal como o Prof. Vasco Pereira da Silva, afirma no seu O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, bíblia do ramo. “(…) Verifica-se nos nossos dias, um fenómeno novo de europeização do Direito Administrativo, na sua dupla vertente de criação de um Direito Administrativo ao nível europeu e de convergência dos sistemas de Direito Administrativo dos Estados-membros da União”, o Direito Administrativo acaba assim por ser direito europeu concretizado, existindo uma interdependência entre ambos. De facto ao nível da União Europeia tem sido tratadas de um modo cada vez mais especifico, questões de relevância extrema do Direito Administrativo, como por exemplo a Contratação Pública.
É importante referir também que parte das “normas” de Direito europeu é de construção pretoriana, ou seja, de origem jurisprudencial, resultado da cooperação entre os Tribunais nacionais e o ordenamento europeu.
Mas, em que medida o contencioso Administrativo Português, de tipo continental, foi influenciado pelos modelos Francês e Alemão?
O modelo francês de justiça administrativa foi introduzido com a legislação de Mouzinho da Silveira, em 1832, a qual proibia os tribunais comuns de julgarem a administração, instituindo os “Conselhos da Prefeitura” e o “Conselho” de “Estado. Ao mesmo tempo assistiu-se a uma lenta transição do sistema do administrador-juiz para o sistema dos tribunais administrativos. Com a Constituição de 33, manteve-se a lógica de justiça delegada, com os tribunais administrativos a serem configurados como órgãos da administração, embora com exercício da função jurisdicional.
De facto a evolução em Portugal é bastante mais lenta do que nos países europeus da mesma família. A fase do “Baptismo” é simultânea à “Confirmação”, uma vez que é realizada em consonância com o reconhecimento dos direitos dos particulares, configurando se assim a superação dos traumas da “infância difícil” .O processo de constitucionalização, já referido, vai aproximar o contencioso dos países europeus, esbatendo as diferenças entre os modelos francês e alemão.
Este contencioso que surge é consequência de um entendimento diferente das relações entre a Constituição e os tribunais a nível interno e ao nível externo com a multiplicação de fenómenos jurídico-administrativos no âmbito das Organizações Internacionais. Constituindo a União Europeia uma Ordem Jurídica própria, as suas regulações penetraram nos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros (Directivas, regulamentos), em atenção ao primado do direito comunitário sobre o Direito Interno dos mesmos.
E porque a história existe para que possamos com ela aprender o contencioso Adminitrativo é também feito pela sua história, talvez mais do que qualquer ramo do direito.
O passado tenebroso do contencioso administrativo, que é digno de um filme de terror, parece agora enterrado noutro século, mas permanece vivo nos livros (e nas orais), para que seja relembrado e respeitado.
A herança que carrega e que agora supera constitui parte do que o contencioso administrativo se tornou, essa brilhante disciplina que, passo a redundância, disciplina a Administração.

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