quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ac 370-2008: Extensão dos efeitos de Sentença


Acórdão n.º 370/2008
Processo n.º 141/08
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 — Relatório:
1.1 — António Melo Pereira, Fernando António Pinto Carneiro, José
Joaquim Marques Ferreira Machado, Manuel de Bessa Moreira, Maria
do Carmo Pereira da Mota, Serafim Marques de Oliveira e José Maria
Castelar requereram, no Supremo Tribunal Administrativo (STA), contra
a Comissão de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas,
ao abrigo do artigo 161.º do Código de Processo nos Tribu nais Administrativos,
a extensão dos efeitos do Acór dão do Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo do STA de 5 de Julho de 2005, processo
n.º 164/04, que confirmou o Acórdão da 1.ª Subsecção, de 3 de Novembro
de 2004, que anulara o acto da requerida que recusara a inscrição de
um interessado na então designada Associação dos Técnicos Oficiais de
Contas (ATOC), criada pelo Decreto -Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro
(designação alterada para Câmara dos Técni cos Oficiais de Contas
(CTOC), pelo Decreto -Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro).
Nessas decisões entendeu-se que, para efeitos de inscrição na ATOC
que a Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, possibilitara aos «profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação
do Decreto -Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante
três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de
sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada, nos
termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele
período possuíssem ou devessem possuir conta bilidade organizada»,
era possível provar por qualquer meio probatório admissível em procedimento
administrativo esse requisito de responsabilidade directa por
contabilidade organi zada, sendo ilegal a limitação da possibilidade de
prova a cópias de declarações modelo 22 de IRC ou anexo C ao modelo 2
de IRS, como a Comissão de Inscrição estabelecera num «Regulamento»,
de 3 de Junho de 1998, que aprovara para execução daquela lei.
Aduziram os requerentes que se encontram na mesma situação daqueles
casos, já superiores a cinco, em que foram proferidas decisões
judiciais, transitadas em julgado, em processos em que foi parte a ora
requerida, que julgaram inválidos os actos de recusa de ins crição por
considerarem ilegais as normas restritivas de meios probatórios constantes
do refe rido Regulamento: Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 355/2005, de 6 de Julho de 2005, e Acórdãos do Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo do STA de 5 de Julho de 2005, processo
n.º 164/04, de 6 de Outubro de 2005, processo n.º 342/04, de 10 de
Novembro de 2005, processo n.º 343/04, de 19 de Janeiro de 2006,
processo n.º 424/04, de 7 de Fevereiro de 2006, processo n.º 419/04, e
de 2 de Março de 2006, processo n.º 423/04.
A pretensão formulada obteve acolhimento no Acórdão da 1.ª Secção
do STA de 19 de Abril de 2007, que determinou que «na esfera
jurídica dos requerentes se produ zam os mesmos efeitos que o mencionado
Acórdão do Pleno da 1.ª Secção de 5 de Julho de 2005, proferido
no processo. n.º 164/04, projectou na esfera jurídica dos respectivos
beneficiá rios».
Contra este acórdão interpôs a recorrente recurso para o Pleno da
Secção de Contencioso Administrativo do STA, terminando a respectiva
alegação com a formulação das seguintes conclusões:
«1 — O acórdão recorrido incorreu em deficiente aplicação do
direito aos factos.
2 — Desde logo, deveria ter procedido à desaplicação in casu da
norma contida no artigo 161.º do CPTA, porquanto a mesma não está
conforme à Constituição da República Portuguesa.
3 — Com efeito, são violados os princípios do Estado de direito,
na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da
confiança, e o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente,
nos artigos 2.º e 13.º da Constituição;
4 — A opção tomada pelo legislador viola, intoleravelmente, a
confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das
relações administrativas e nos seus efeitos;
5 — Além disso, traduz um benefício concedido em favor dos que,
perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram
judicialmente dentro do prazo legal para tanto fixado, tratando-se,
pois, de forma desigual face àqueles particulares que, dentro do prazo
de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados,
para que não se firmasse na sua esfera jurídica um acto que
lhes era desfavorável, assim se violando o princípio constitucional
da igualdade.
6 — Ao contrário do que considerou o tribunal a quo, o artigo 161.º
mais não é, em termos materiais, do que a atribuição a quem já não
o tinha, do direito de impugnar um acto administrativo desfavorável,
indo até mais além do que isso, pois esse particular, que vê, assim,
‘ressuscitado’ o seu direito de acção, poderá, por essa via, ver automaticamente
produzidos na sua esfera jurídica os mesmos efeitos que
veria caso tivesse impugnado atempadamente o acto desfavorável e
tivesse obtido vencimento.
7 — A argumentação oferecida pelo acórdão recorrido para sustentar
a constitucionalidade da norma perspectiva, assim, a questão de um
prisma estritamente formal, não atendendo à materialidade das razões
que apontam, ao contrário, para a inconstitucionalidade da norma.
8 — Por outro lado, e independentemente da posição tomada quanto
à conformidade do artigo 161.º do CPTA, andou mal o acórdão recorrido
ao considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva
previsão da norma.
Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008 35831
9 — O artigo 161.º está pensado para se aplicar nos casos em que
foram praticados actos administrativos com vários destinatários, e
não, como é o caso, actos administrativos distintos.
10 — Ao não dar razão à aqui recorrente, procedeu o acórdão
recorrido a uma errada interpretação e aplicação do artigo 161.º [do
CPTA].»
Por Acórdão de 13 de Novembro de 2007, o Pleno da 1.ª Secção
do STA negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação
jurídica:
«2.2 — Matéria de direito. — A recorrente insurge-se contra o
acórdão da Subsecção por entender que o artigo 161.º do CPTA é
inconstitucional e, se assim não for entendido, por não se verificarem
os requisitos aí previstos para se declarar a extensão de efeitos de
uma decisão judicial, ou seja, por não estar em causa uma sentença
anulatória de um acto plural.
Vejamos cada uma das questões.
2.2.1 — Inconstitucionalidade do artigo 161.º do CPTA. — A recorrente
retoma, no recurso, os argumentos que esgrimira na acção e
que o acórdão não acolheu. O acórdão recorrido, em suma, entendeu
que o artigo 161.º do CPTA não violava os princípios da segurança
inerente ao Estado de direito (artigo 2.º) e da igualdade (artigo 13.º,
ambos da Constituição). A recorrente insiste na tese oposta, vendo
no referido artigo uma intolerável violação da confiança que a Administração
deve poder pôr na estabilidade das relações jurídicas
(violação da protecção da segurança jurídica) e ainda a violação da
igualdade, na medida em que o preceito em causa traduz um ‘favor
dos que, perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não
reagiram judicialmente dentro do prazo legal[...] tratando-os de
forma desigual face àqueles que, dentro do prazo de que dispunham,
tiveram que mobilizar os meios processuais adequados’.
i) Princípio da segurança jurídica. — O artigo 161.º do CPTA, sob
a epígrafe ‘extensão dos efeitos da sentença’, permite que os efeitos
de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto
administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica
favorável possam ser estendidos a outras pessoas que ‘se encontrem
na mesma situação jurídica’. [A redacção do preceito é a seguinte:
‘Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado
um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação
jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a
outras que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham
recorrido ou não à via judicial desde que, quanto a estas, não exista
sentença transitada em julgado’.]
É verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável
— e que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem
jurídica — pode vir a ser inutilizada, por aplicação do artigo 161.º do
CPTA. Mas essa destruição dos efeitos, não obstante o ‘caso decidido’,
não significa uma intolerável quebra da confiança na estabilidade das
relações jurídicas inerente a um Estado de direito.
O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 17/84, que o cidadão deve ‘poder prever
as intervenções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele
e preparar -se para se adequar a elas.[...]. Deve poder confiar em
que a sua actuação seja reconhecida pela ordem jurídica e assim
permaneça em todas as consequências juridicamente relevantes’.
Ora, a introdução na ordem jurídica do artigo 161.º do CPTA não é
uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas situações)
do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre
admitiram — como veremos — hipóteses em que o caso decidido
não gozava de total protecção.
Como é sabido, nem sequer os actos favoráveis, constitutivos de
direitos, não impugnados têm essa protecção, pois podem ser revogados
com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano — cf.
artigo 141.º, n.º 1, do CPA. Por outro lado, a ilegalidade dos actos
inimpugnáveis (consolidados), como hoje decorre do artigo 38.º,
n.º 1, do CPTA, pode ser posta em causa e, portanto, reconhecida. O
artigo 7.º do Decreto -Lei n.º 48 051, ainda em vigor, também permite
a discussão da ilicitude de actos administrativos consolidados, mostrando
que um acto ilegal não impugnado pode levar à condenação
da Administração pelos danos causados a terceiros com a prática
desse acto.
Freitas do Amatral (Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, p. 227)
defendia — desde há muito — a eficácia erga omnes de algum tipo
de sentenças anulatórias, tudo dependendo do seu fundamento: ‘terão
eficácia erga omnes se forem baseadas em fundamentos objectivos, e
eficácia inter partes se baseadas em fundamentos subjectivos’.
Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, II, pp.
1371 -1373) defendia que a anulação de um acto divisível por fundamentos
objectivos, isto é, por razões independentes das condições
pessoais seja de quem for, tinha eficácia erga omnes.
Rui Machete (Dicionário [Jurídico da Administração Pública, II,
1969], p. 291) também refere, como se dá conta no Acórdão deste
Supremo Tribunal de 22 de Junho de 2004, proferido no processo
n.º 45 497/B, ‘que na delimitação do caso julgado anulatório de acto
administrativo encontra-se a ideia de que, sob pena de contradição
insanável, o mesmo acto não pode ser, perante a mesma ordem jurídica,
simultaneamente nulo para uns e válido para outros’. [No
seguimento da posição que defendeu in O Contencioso Administrativo:
O Caso Julgado nos Recursos Directos de Anulação, Coimbra, 1973,
pp. 132 e seguintes]. Ou seja, adverte o autor, casos haverá em que
a estabilização dos efeitos de um acto consolidado seria uma pura
contradição (o acto era e não era válido ao mesmo tempo).
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal sempre se reconheceu
haver efeitos ‘extraprocessuais’ das sentenças anulatórias, como se
pode ver, por exemplo, no Acórdão deste Tribunal de 26 de Setembro
de 2001, recurso n.º 35 484, citado no Acórdão de 15 de Dezembro de
2006, proferido no processo n.º 195/05: ‘os efeitos extraprocessuais
desse caso julgado obstam a que, em processos judiciais que tenham
por objecto actos atinentes à mesma relação material controvertida,
venham a ser proferidas decisões incompatíveis com o decidido’, já
que ‘valem aqui as razões de impedir que o tribunal seja colocado
em situação de ter de contradizer ou reproduzir decisão anterior que
justificam o caso julgado (n.º 2 do artigo 497.º do CPC)’.
O artigo 161.º do CPTA insere -se, assim, num entendimento mais
geral que permitia, em determinados casos, negar protecção ao ‘caso
decidido’, aceitando que actos não impugnados, e já inimpugnáveis,
possam vir a ser destruídos. A existência de um entendimento claro
(na lei, na doutrina e na jurisprudência) permitindo a inutilização da
estabilidade assente no ‘acto inimpugnável’ — anulado por razões
objectivas — mostra que o artigo 161.º do CPTA não introduziu na
ordem jurídica qualquer perturbação (intolerável) da confiança na
ordem jurídica.
Não tem, pois, razão de ser a crítica ao preceito em causa, pois
o mesmo não veio introduzir qualquer perturbação inaceitável na
estabilidade dos actos administrativos inimpugnáveis;
ii) Princípio da igualdade. — O acórdão recorrido considerou que
o preceito em causa não violava o princípio da igualdade: ‘Não se
vê, assim [diz o acórdão] em que medida é que o princípio constitucional
da igualdade postule que, numa situação como a definida no
questionado artigo 161.º do CPTA, aos aludidos particulares, que não
tenham acedido à via judicial, esteja vedada a já referida extensão
dos efeitos, tanto mais que, aqui, ou seja, no âmbito de aplicação
do artigo 161.º do CPTA, não se trata, como já se salientou, de
permitir a impugnação contenciosa do acto de recusa de inscrição,
não sendo, por isso, particularmente pertinente, a este nível, trazer à
lide o regime da aceitação do acto, prevista no artigo 56.º do CPTA,
não comportando, no caso em apreço, o citado artigo 161.º qualquer
pretensão anulatória do acto de recusa. Ou seja, o referido princípio
constitucional não constitui impedimento a que o órgão legiferante
tivesse editado a norma em causa, nos termos e com o seu preciso
conteúdo, não se detectando, aqui, um qualquer arbítrio legislativo,
traduzido na hipotética clara falta de apoio constitucional para a
diferenciação ou não diferenciação efectuada pela citada medida
legislativa. Em suma, o legislador não deu tratamento jurídico diferente
a situações semelhantes, na exacta medida em que tudo se
situa ao nível dos efeitos do julgado anulatório ou daquele que tenha
reconhecido uma situação jurídica favorável, não tendo, por isso, sido
desrespeitado o comando contido no artigo 13.º da CRP.’
A nosso ver, é de manter o acórdão. A argumentação da recorrente
relativamente à violação do princípio da igualdade é de resto ‘perversa’,
pois a razão de ser da extensão de efeitos do caso julgado
regulada no artigo 161.º do CPTA é precisamente a de dar tratamento
substancialmente igual a quem se encontra na mesma ‘situação jurídica’.
Não se entende, também, o argumento da recorrente quando
acusa o acórdão de ter encarado a questão num prisma ‘estritamente
formal’ (conclusão 7.ª). O artigo 161.º, n.º 1, do CPTA exige como
requisito da extensão dos efeitos do julgado que estejamos perante a
‘mesma situação jurídica’, pretendendo, desse modo, que situações
jurídicas materialmente semelhantes venham a ser reguladas, na prática,
do mesmo modo. Não é uma visão ‘estritamente formal’, sendo,
pelo contrário, uma visão que privilegia a igualdade.
O princípio da igualdade, nos termos do artigo 13.º da Constituição,
proíbe discriminações decorrentes dos índices (sexo, raça, etc.)
aí definidos, onde não se encontra a ‘não interposição do recurso
contencioso’. Fora dos casos expressamente proibidos de discriminação,
só existe violação do princípio da igualdade quando estivermos
perante discriminações arbitrárias ou manifestamente injustificadas
[cf. Jorge Miranda, Direito Constitucional, tomo IV, p. 248, e jurisprudência
do Tribunal Constitucional aí citada e, em especial, o
Acórdão n.º 231/94, de 9 de Março, Diário da República, 1.ª série -A,
n.º 98, de 28 de Abril de 1994, pp. 2056 e 2057: ‘[...] a essência da
35832 Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008
aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio
na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação
jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que
a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento
tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao
legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar
o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica’. Trata-se,
hoje, de um entendimento pacífico e consolidado — cf., por todos,
Acórdãos n.os 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol.,
pp. 133 e segs., 309/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º
vol., pp. 547 e segs., 191/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional,
12.º vol., pp. 239 e segs., 303/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional,
17.º vol., pp. 65 e segs., 468/96, Diário da República, 2.ª série,
de 13 de Maio de 1996, e, mais recentemente, 1186/96, Diário da
República, 2.ª série, de 12 de Fevereiro de 1997, e 1188/96, Diário
da República, 2.ª série, de 13 de Fevereiro de 1997. Não é arbitrário,
nem manifestamente injustificado atribuir efeitos extraprocessuais a
uma sentença anulatória com fundamento na identidade das situações
jurídicas em causa. O princípio da igualdade, interpretado em termos
materiais, não é violado, antes pelo contrário, é densificado em todos
os casos em que a ordem jurídica dê tratamento materialmente igual
àqueles que, como se diz no artigo 161.º do CPTA, se encontram ‘na
mesma situação jurídica’.
É assim, a nosso ver, manifesto que não se verifica a violação do
princípio da igualdade.
2.2.2 — Requisitos de aplicação do artigo 161.º, n.º 1, do
CPTA. — No recurso, a recorrente insurge-se contra o acórdão na
parte em que se entende que o artigo 161.º, n.º 1, do CPTA é aplicável
a situações como a dos presentes autos. A requerida já sustentara a
mesma tese na subsecção, pretendendo que o preceito em causa tem
como um dos seus pressupostos de aplicação a existência de um acto
administrativo plural.
A sua tese foi refutada por não se ver qualquer elemento interpretativo
permitindo a interpretação restritiva do preceito. “Aliás — argumenta
o acórdão — a própria alusão que é feita no mencionado n.º 2
aos processos ‘no domínio do funcionalismo público e no âmbito dos
concursos’ é manifestamente exemplificativa, só assim se justificando
o uso do termo ‘nomeadamente’, que antecede tal alusão, o que não
pode deixar de significar que se possa equacionar extensão dos efeitos
de sentença, ainda que fora de tal tipo de processos”.
A recorrente limita -se a discordar, reassumindo a tese de que é pressuposto
deste preceito e, portanto, da extensão de efeitos da sentença
que se trate de actos administrativos plurais, invocando a seu favor
Colaço Antunes, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, p. 18.
Este autor, efectivamente, entende que ‘[...]na situação em apreço
hão -de tratar -se de actos com destinatário plural ou indeterminado,
pois, de outra forma, estar -se -ia a alargar os referidos efeitos não só
subjectivamente — o que foi pensado pelo legislador — mas também
objectivamente, o que permitiria a anulação de outros actos que não
o que constitui objecto da acção impugnatória’.
A nosso ver, é de sufragar inteiramente a tese do acórdão.
Desde logo, pelo argumento literal denunciando que as situações
aí referidas são meramente exemplificativas. Tal significa que o
pressuposto de aplicação do artigo é o facto de os interessados se
encontrarem na ‘mesma situação jurídica’. A pluralidade de destinatários
num acto plural é, sem dúvida, um caso onde os interessados
podem estar em situação jurídica idêntica (desde que a anulação se
não funde em motivos subjectivos), mas não se vislumbram razões
para ser a única hipótese legalmente prevista no artigo 161.º, n.º 1,
do CPTA. Na verdade, o que determinou a opção do legislador foi a
possibilidade da extensão dos benefícios decorrentes da reposição da
legalidade a todos os prejudicados com a prática de um acto ilegal.
Não se compreenderia, assim, sem uma indicação clara nesse sentido
(como argumentou e bem o acórdão) que ficassem fora do âmbito da
extensão situações materialmente idênticas, só porque não estávamos
perante um acto plural [...]. Como um acto plural se pode decompor em
tantos actos singulares quantos os seus destinatários, a aplicabilidade
do artigo 161.º, n.º 1, do CPTA dependeria, afinal, da opção do autor
do acto em emitir um ou vários actos iguais.
Depois, o artigo permite também a extensão de efeitos de uma
sentença que ‘reconheça uma situação jurídica favorável’, onde
pode não existir qualquer acto administrativo, o que inviabiliza a tese
restritiva defendida pela recorrente.
Finalmente, um dos pressupostos da extensão de efeitos do julgado
é a existência de três sentenças proferidas em processos seleccionados
segundo o disposto no artigo 48.º do CPTA — cf. artigo 161.º,
n.º 2, do CPTA. Ora, nos termos do artigo 48.º do CPTA, podem ser
seleccionados casos que ‘digam respeito à mesma relação jurídica
material, ou ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas
coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididas com
base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto’.
Podem, como decorre do preceito, agrupar -se processos que não tenham
por objecto o mesmo acto plural. Se a sentença proferida nos
termos do artigo 48.º do CPTA, em processos seleccionados, pode ver
os seus efeitos estendidos, não teria grande sentido proibir a extensão
dos efeitos dessa decisão a casos idênticos aos que constavam dos
processos seleccionados (onde poderiam estar, como vimos, processos
que não tenham como objecto o mesmo acto plural).
A melhor solução é, assim, a acolhida no acórdão.»
Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso deste acórdão para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último,
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada
a inconstitucionalidade, por violação dos princípios do Estado de
direito, na sua vertente de protecção da segurança jurídica e de protecção
da confiança, e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da CRP,
da norma do artigo 161.º do CPTA, na interpretação dada pelo tribunal
recorrido. Convidada a identificar, com precisão, qual a interpretação
do artigo 161.º do CPTA que teria sido aplicada no acórdão recorrido, a
recorrente veio referir que «o Supremo Tribunal Administrativo aplicou
uma interpretação inconstitucional do normativo citado ao acordar que o
mesmo não viola o princípio da segurança e da protecção jurídica inerente
ao Estado de direito, admitindo a possibilidade de a validade e a eficácia
de um acto administrativo que não foi impugnado, nem administrativa
nem jurisdicionalmente, em tempo oportuno, possa, ainda assim, vir a ser
posto em causa por efeito da extensibilidade dos efeitos das sentenças,
previsto no artigo 161.º do CPTA, considerando o Supremo Tribunal Administrativo
que esta interpretação não veio introduzir qualquer perturbação
inaceitável na estabilidade dos actos administrativos inimpugnáveis; e o
princípio da igualdade, por, no entender do acórdão recorrido, ser possível
que alguém, que não utilizou os meios processuais legais ao seu dispor,
possa aproveitar uma sentença favorável a um terceiro que utilizou, muitas
vezes à exaustão, essas vias processuais, entende o Supremo Tribunal
Administrativo que ambos os particulares se encontrariam na mesma
situação jurídica exigida pelo artigo 161.º do CPTA».
A recorrente apresentou alegações, concluindo que a norma questionada
é desconforme à Constituição, por violação dos princípios da
segurança jurídica e da igualdade, aduzindo, nesse sentido, em suma,
o seguinte:
«No que toca aos actos da Administração, o princípio da segurança
jurídica ‘aponta para a ideia de caso decidido dos actos administrativos’;
Isto é, os actos administrativos que não padeçam de invalidades
mais graves (às quais a sanção correspondente seja a nulidade ou a
inexistência), não sendo impugnados judicialmente dentro de um
prazo razoável, adquirem estabilidade na ordem jurídica, ganhando
força de caso decidido;
Aliás, é justamente o princípio da segurança jurídica que está
presente no artigo 56.º do CPTA, que estabelece que a ‘aceitação
do acto’ impede o particular de impugnar esse acto, consagrando o
princípio da inimpugnabilidade do acto consentido;
Ora, a norma em crise vem precisamente pôr em causa o princípio
da segurança jurídica e da certeza do direito, abalando a estabilidade
de que os actos administrativos, ainda que anuláveis, gozam na ordem
jurídica portuguesa, pois permite, com alguma irracionalidade, que os
particulares que não impugnaram judicialmente um acto administrativo
que lhes fora desfavorável, dentro do prazo legalmente previsto
para o efeito, possam vir depois a beneficiar dos efeitos de uma
sentença emitida noutro processo judicial, a favor de um particular
que não se conformou com o sentido do acto que lhe dizia respeito e
mobilizou os instrumentos que a ordem jurídica põe ao seu serviço
para reagir contra esse acto;
Além da violação do princípio da segurança e da estabilidade
jurídica, a norma em análise é, assim, e noutra perspectiva, também
violadora do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º
da Constituição;
Pois do que se trata, ao fim e ao cabo, é de beneficiar os cidadãos
que, por qualquer razão, se quedaram passivos face a um acto administrativo
desfavorável, face àqueles que, perante um acto de sentido
semelhante, não se conformaram com o mesmo e mobilizaram os
meios processuais que tinham ao seu dispor, com o que tiveram
naturalmente custos e incómodos.»

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