segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Acórdão TCAN - Litisconsórcio Necessário e a Intervenção de Terceiros

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01262/10.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:18-03-2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Descritores:LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Sumário:1. Um dos membros do agrupamento que apresentou uma proposta conjunta não pode impugnar contenciosamente o acto de adjudicação desacompanhado dos outros membros.
2. A forma como uma parte pode ultrapassar a recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a acção é intentá-la sozinha e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores, dos demais interessados.
3. A circunstância do processo do contencioso pré-contratual ser de natureza urgente não é impeditiva da intervenção provocada de terceiros.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:01-02-2011
Recorrente:Construções..., S.A.
Recorrido 1:Município de V. N. de Famalicão
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – Construções…, S.A., melhor identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida em 15/11/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, julgando procedente a excepção de ilegitimidade activa, absolveu o Município de V. N. de Famalicão e os contra-interessados do processo de contencioso pré-contratual contra eles interposto.
Nas alegações, concluiu o seguinte:
1) A douta sentença recorrida julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e absolveu o réu da instância, considerando que o objectivo pretendido pela recorrente através da anulação do acto em causa só pode ser o de conseguir a adjudicação e o contrato lançado a concurso, não podendo porém aspirar a ocupar sozinha a posição de adjudicatária, que só será atribuível ao conjunto de todas as titulares da proposta classificada em segundo lugar, pelo que não tem por si só qualquer interesse em obter a anulação do acto de adjudicação.
2) Simultaneamente, indeferiu a intervenção principal provocada requerida pela recorrente (sem prescindir da defesa da sua legitimidade activa) relativamente às demais co-autoras da dita proposta, com fundamento em que as mesmas não podem ser consideradas terceiros eventualmente interessados na intervenção, uma vez que são demandadas na qualidade de contra-interessadas.
3) Ora, no contencioso administrativo de anulação existe uma noção específica e ampla de legitimidade activa, segundo a qual se considera interessado todo aquele que espera obter da anulação do acto impugnado um certo benefício, e se encontra em condições de o poder receber, devendo esse interesse ser directo, pessoal e legítimo.
4) Nos termos do disposto no art. 51º, nº 1, al. a), do CPTA, a legitimidade activa está atribuída “a quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, bastando ao interessado, para haver legitimidade impugnatória, estar em condições de retirar, para a sua esfera jurídica, uma vantagem imediata, não proibida por lei, da invalidação do acto.
5) No caso em apreço, a recorrente está em condições de poder colher um benefício da anulação do acto, o qual se traduz na expectativa de que a adjudicação definitiva venha a ser dirigida ao grupo ou consórcio de sociedades que apresentou a proposta classificada em segundo lugar, resultando para si dessa adjudicação não um proveito conjunto que seria repartido entre a recorrente e as restantes parceiras, mas sim um benefício próprio e diverso dos recebidos por cada uma daquelas.
6) Na verdade, tal consórcio não representa qualquer entidade autónoma, não gozando de personalidade jurídica nem de capacidade judiciária, mas sim um conjunto de pessoas distintas reciprocamente vinculadas a um objectivo comum, através de uma distribuição de funções que não têm de ser qualitativa e quantitativamente equivalentes, sendo atribuídas a cada membro tarefas e competências específicas, que no seu conjunto visam satisfazer o objecto do contrato, mas que representam participações e contrapartidas diferenciadas.
7) Resultando da anulação do acto impugnado a expectativa de uma adjudicação do contrato ao grupo integrado pela recorrente, esta trará para si uma vantagem específica e diferenciada relativamente às suas parceiras, pelo que, face à utilidade que lhe advirá da procedência do pedido de anulação do acto recorrido, a Recorrente dispõe, por si só, de interesse directo, pessoal e legítimo, não havendo no caso vertente, litisconsórcio necessário activo.
8) Sem prescindir, caso se entenda que ocorre o referido litisconsórcio, deverá então admitir-se a intervenção principal provocada das demais titulares da proposta classificada em segundo lugar, às quais igualmente poderá aproveitar a adjudicação que se suceda à anulação do acto impugnado, conforme foi requerido pela Recorrente, pois não se afigura existir qualquer incompatibilidade entre a posição de contra-interessado das chamadas e a sua associação à recorrente relativamente ao pedido de anulação formulado.
9) O pedido de anulação do acto administrativo é formulado contra a entidade pública autora do mesmo, a quem assiste ainda, aliás, a possibilidade de proceder à respectiva revogação, e assim, se considerarmos como sujeitos da relação material controvertida a Recorrente e a entidade autora do acto impugnado, as contra-interessadas assumem a posição de terceiras eventualmente afectadas pela decisão do litígio.
10) Dispõe o artº 325º do CPC que a intervenção provocada se destina a chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, activa ou passivamente, associando-se à parte respectiva, posição análoga ou equivalente à de contra-interessado no processo administrativo, pelo menos na medida da possível associação deste à entidade pública demandada.
11) Uma vez que as chamadas, na qualidade de contra-interessadas e como se extrai do artº 57º do CPTA, poderiam somente defender o acto impugnado, nada tendo dito, não deverão ser impedidas de poderem acompanhar a pretensão da Recorrente, no pressuposto do litisconsórcio necessário activo, não existindo qualquer impedimento, decorrente de norma legal ou de princípio do direito processual, a que possam associar-se à Recorrente, aderindo à acção e ao pedido de anulação do acto.
O Município recorrido, e os contra-interessados graduados em primeiro lugar contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Ministério Público, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
2. O aresto recorrido deu como provado os seguintes factos: 
1 - A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, através de um anúncio publicado no Diário da República, 2ª série, nº 137, de 17.07.2009, abriu concurso público com o propósito de seleccionar entidades de direito privado com vista à participação na constituição de uma sociedade comercial de capitais minoritariamente públicos, tendo por objecto a concepção e/ou construção, financiamento, manutenção, conservação e disponibilização de infra-estruturas de interesse municipal – cfr. doc. 1 junto com a p.i..
2 - A Autora, em consórcio com as sociedades N…, SA, E…, SA e C…, Lda., apresentou proposta no referido concurso.
3 - A proposta apresentada pelo Consórcio integrado pela Autora ficou classificada em segundo lugar.
4 - O nº 1 do artigo 7º do Programa de Procedimento estabelece que “Podem ser concorrentes, integrando um agrupamento participante no presente Procedimento, todas as entidades que detenham capacidade para a execução do contrato a adjudicar e que não se encontrem em nenhuma das situações referidas no art. 55º do Códigos dos Contratos Públicos.” – cfr. doc. 2 junto com a p.i..
5 - O nº 2 do artigo 7º do Programa de Procedimento estabelece que “É permitida a apresentação de Propostas por um agrupamento de pessoas singulares e/ou colectivas, sem que entre os membros que o compõem exista qualquer modalidade jurídica de associação e desde que o número de membros seja igual ou superior a 4 (quatro).” - cfr. doc. 2 junto com a p.i..
3. Na presente acção do contencioso pré-contratual, a autora, ora recorrente, na qualidade de membro de um consórcio externo que foi opositor ao concurso público para selecção de entidades privadas interessadas em participar na constituição de uma sociedade comercial de capitais públicos, apresentou-se sozinha a impugnar o acto de adjudicação, demandando a entidade adjudicante, os demais concorrentes e as sociedades que faziam parte do consórcio.
A autoridade demandada e o concorrente graduado em primeiro lugar suscitaram a excepção de ilegitimidade activa pelo facto da autora estar desacompanhada dos demais membros do agrupamento; na resposta à excepção, a autora deduziu o incidente de intervenção principal provocada dos três membros do agrupamento.
A sentença recorrida julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa, por considerar existir uma situação de litisconsórcio necessário, e não admitiu o incidente de intervenção de terceiros, pelo facto das empresas a chamar já figurarem como demandadas.
A recorrente não se conforma, defendendo que tem interesse pessoal e directo na impugnação, requisito suficiente para lhe garantir legitimidade, e que a eventual ilegitimidade fica sanada com a intervenção provocada dos demais membros do consórcio.
A primeira questão já teve resposta unânime da doutrina e na jurisprudência no sentido de que o consorte não pode accionar a entidade adjudicante desacompanhado dos demais membros, uma vez que se verifica uma situação de litisconsórcio necessário, por natureza, nos termos do nº 2 do artigo 28º do CPC. 
A legitimidade activa para impugnar actos administrativos no âmbito de uma acção particular é conferida ao titular de um «interesse directo e pessoal» no provimento da acção, designadamente quanto alegue uma lesão de direitos e interesses legalmente protegidos (al. a) do nº 1 do art. 55º do CPTA). O autor deve pois alegar factos integradores de um interesse directo e pessoal, factos que demonstrem que retira imediatamente da anulação do acto um benefício específico para a sua esfera jurídica. 
Se os efeitos jurídicos do acto se produzem na esfera jurídica de outrem ou se apenas através de outrem se projectam na sua esfera jurídica, a utilidade que o autor pode extrair da anulação não é pessoal nem directa. Por falta desses requisitos, à luz da LPTA, a jurisprudência entendia que os associados de uma pessoa colectiva careciam de legitimidade para acometerem um acto a ela dirigido, já que, produzindo-se os efeitos de eventual anulação imediatamente na esfera jurídica da associação, o interesse deles no provimento do recurso não é directo e nem pessoal (cfr. Ac. do STA de 2/6/1999, rec. nº 039682, in www.dgsi.pt).
O artigo 57º do DL nº 59/99 de 2/3 e o actual artigo 54º do Código de Contratos Públicos (CCP) admitem que nos procedimentos de contratação pública sejam apresentadas candidaturas ou propostas por parte de agrupamentos de pessoas singulares ou colectivas, «sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação». Não é, pois, necessário que as empresas se associem na modalidade jurídica de associação prevista no programa do procedimento, bastando a apresentação de uma proposta conjunta. Só no caso da adjudicação do contrato à proposta conjunta é que se torna necessário, antes da celebração do contrato, dar forma jurídica à associação, sob pena de caducidade da adjudicação (nº 4 do art. 54º e nº 1 do art. 105º do CCP). Nos contratos menos relevantes ou menos duradouros, as modalidades de associação mais frequentes são o contrato de consórcio externo e o agrupamento complementar de empresas, regulados respectivamente pelos DL nº 231/81, de 28/7, Lei nº 4/73, de 4/6 e DL nº 430/73, de 25/8.
Quando os membros do agrupamento concorrente se constituem em consórcio externo, devem atribuir ao “chefe de consórcio” poderes para os representar perante a entidade adjudicante e podem passar-lhe uma “procuração especial” para os representar em juízo (cfr. nº 2 do art. 15º do DL nº 231/81). Como é um dado incontroverso que o consórcio carece de personalidade jurídica, uma vez que não dá lugar à «criação de uma entidade autónoma de direitos que funcione como centro institucionalizado de imputação de direitos e obrigações no comércio jurídico» (cfr. ac. do STA de 8/6/2004, rec. nº 0489/04 e doutrina aí citada), na ausência daquela procuração, a representação do consórcio cabe a todos os seus membros.
Dada a falta de personalidade jurídica do consórcio, os direitos e deveres emergentes da participação do agrupamento no procedimento concursal são exercidos através do representante comum, quando o exista, ou através de declaração de vontade de todos membros. Neste caso, como refere Esteves de Oliveira, «os direitos, deveres e ónus inerentes à apresentação (e defesa) da proposta conjunta cabem, conjuntamente, também, a todos as empresas agrupadas e deveriam ser exercidos por todas elas. Não pode, pois, uma empresa agrupada impugnar administrativa ou judicialmente actos administrativos procedimentais, sem ou contra a vontade dos outros membros» (cfr. Agrupamentos de Entidades Adjudicantes e de Candidatos e Concorrentes em Procedimentos de Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 149, e do mesmo autor, Concurso Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, pág. 345). De igual modo, sob o primo da legitimidade processual, a jurisprudência também considera que um dos membros do agrupamento que apresentou uma proposta conjunta não pode impugnar contenciosamente o acto de adjudicação desacompanhado dos outros membros: «Ora, na justa medida em que a recorrente não é autora mas simples co-autora da proposta, que formulou e apresentou conjuntamente com a C...., ela não pode, sozinha, aspirar a ocupar ou recuperar a posição de adjudicatária e, seguidamente, assinar o contrato e executá-lo. Para isso precisa da colaboração da outra empresa, e a verdade é que a não interposição de recurso por parte desta faz presumir que esse interesse não é por ela partilhado. Concomitantemente, o controlo jurisdicional da legalidade do acto que se pede que o tribunal faça tem uma função eminentemente subjectiva, ou seja, tem de ir a benefício da tutela efectiva da posição da recorrente. E tal actividade só tem sentido se for garantido que o interessado ausente mantém, ainda, esse interesse, e que, por conseguinte, existe a conjugação dos dois interesses que permitirá que o veredicto anulatório tenha efectivas repercussões no mundo do Direito, realizando a chamada paz social - e não redunde numa proclamação do bom direito totalmente desprovida de utilidade prática. A existência jurídica de um consórcio entre as duas empresas, já constituído ao tempo da prática do acto impugnado, e o modo como na lei e no respectivo título de constituição são reguladas as relações entre as partes e a forma como se projectam para o exterior vem reforçar a ideia de que a defesa dos interesses dos co-proponentes e membros do consórcio, na procura da remoção dos efeitos jurídicos lesivos do acto impugnado, só consegue ser assegurada pela vinda a juízo de ambos» (Cfr. Ac. de 8/6/2004, rec. nº 0489/04; no mesmo sentido, Acs. de 2/3/2004, rec. nº 054/04; de 24/9/2008, rec. nº 042/08 e de 4/11/2010, rec. nº 0216/08, in www.dgsi.pt).
Em face desta doutrina e jurisprudência, com a qual se concorda, a recorrente carece efectivamente de legitimidade, já que, considerando a relação jurídico-administrativa configurada na acção, ela não é titular, por si mesma, de interesse directo e pessoal na procedência da acção, exigindo-se o litisconsórcio necessário activo previsto no nº 2 do art. 28º do CPC. 
Mas será que a ilegitimidade activa poderia ser sanada com a intervenção provocada dos restantes membros do agrupamento?
A recorrente indicou como “contra-interessados”, para além das sociedades que fizeram parte dos agrupamentos concorrentes, as sociedades que integravam o seu agrupamento. Nos autos não está demonstrado que o “consórcio” tenha sido constituído, pelo que é na qualidade de “agrupados” que devem ser considerados na relação processual. 
É evidente que essas sociedades não são contra-interessadas, isto é, sujeitos que, tirando um benefício do acto administrativo impugnado, têm interesse na sua conservação (cfr. art. 57º do CPTA). A sua posição não é contraposta à da autora, mas sim de partes co-interessadas na invalidade do acto, mas vez que, como associadas da autora no procedimento pré-contratual, o interesse processual é necessariamente o mesmo. Do lado passivo da relação contratual temos assim contra-interessados, que em rigor deveria limitar-se ao agrupamento posicionado em primeiro lugar, e co-interessados na invalidade do acto impugnado.
Quer a atitude da autora, que demandou os seus associados como partes passivas, quer o comportamento dos co-interessados, que após citação nada disseram, fazem presumir que estes não acompanham a autora na pretensão anulatória do acto impugnado. Numa situação destas, em que há litisconsórcio necessário activo, mas alguns dos interessados não querem vir a juízo, como podia a autora efectivar o direito de acção?
Sendo certo que a violação do litisconsórcio activo não é insanável (cfr. arts. 87º, 88º e 89º do CPTA), não se pode dizer que a posição inicial da autora, embora errada ao qualificar os seus associados como contra-interessados, fosse totalmente contrária aos princípios e regras que orientam o processo administrativo. Seria contrário aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça (arts. 2º e 7º do CPTA) se não existissem remédios eficazes e eficientes que facultassem ao litisconsorte o recurso à via judicial em caso de recusa ou desinteresse dos demais litisconsortes.
Numa situação destas, a possibilidade do autor demandar e requerer a citação dos litisconsortes que não querem agir, já foi defendida na doutrina como um dos possíveis “remédios” para sanar a ilegitimidade activa. Assim entendia, por exemplo, Palma Carlos que, após analisar as várias soluções que a doutrina de então propunha e de afastar a intervenção de terceiros, por ser totalmente inconciliável com o requisito da unidade de interesse do litisconsórcio obrigatório, considerava que «se algum dos litisconsortes activos não quiser propor a acção, aquele que quiser agir estará, por si, em condições de propô-la, mas terá de chamar a juízo não só os titulares de interesse oposto, mas também o seus próprios litisconsortes, que ficarão processualmente numa posição semelhante à dos réus, in jus vocati, embora quanto à acção e ao direito que se faz valer tenham a posição de sujeitos activos» (cfr. Ensaio sobre o litisconsórcio, Lisboa, 1956, pág. 242).
Perante a formulação dos actuais artigos 28º e 325º do CPC, a doutrina e jurisprudência consideram que a solução exacta é provocar a intervenção dos contitulares do interesse do autor: Miguel Teixeira de Sousa diz que a forma como uma parte pode ultrapassar a recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a acção é intentá-la sozinha e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores, dos demais interessados (cfr. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 168 e jurisprudência aí citada); Lebre de Freitas observa justamente que, “embora a exigência da lei ou do negócio jurídico seja de intervenção dos vários interessados, é suficiente para garantir a integração do litisconsórcio necessário que tenha lugar a sua citação para intervirem”, acrescentando mesmo, a propósito, que “o requerimento de intervenção principal é o único meio que o autor tem ao seu alcance para assegurar o litisconsórcio activo, quando quem com ele deveria estar associado não quer propor a acção (artºs 269º e 325º, nº 1)” (CPC Anotado, Vol. I, pág. 58); e em idêntico sentido se pronunciam Antunes Varela, J. Miguel Beleza e J. Sampaio Nora no Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 166, nota 1.
Nos termos do art. 325º do CPC, qualquer das partes pode assim chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (nº 1), devendo o autor do chamamento alegar a causa do mesmo e justificar o interesse que através dele pretende acautelar (nº 3). E nos termos do art. 320º do mesmo diploma e para que o terceiro possa ser chamado: a) tem que ter, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do art. 27º e 28º do CPC; b) ou deve poder coligar-se com o autor nos termos do art. 30º do CPC. 
No caso vertente, a situação subsume-se na previsão da alínea a), pois a autora invoca relativamente aos chamados uma situação de litisconsórcio necessário, nos termos do artº 28º nº 2 do CPC, já que afirma que a intervenção se impõe para que haja legitimidade activa e também para que a acção tenha e produza o seu efeito útil normal.
A dedução do incidente de intervenção principal, como forma de resolver a dificuldade do autor em se apresentar em juízo juntamente com os seus associados, é também solução aplicável no processo administrativo. Se no domínio da LPTA havia alguma controvérsia sobre a admissibilidade desse tipo de intervenção, no âmbito do CPTA parece haver unanimidade em admitir-se em termos genéricos a intervenção de terceiros, nos mesmos termos que o processo civil. Assim consideram Aroso de Almeida e Vieira de Andrade que lêem no nº 8 do artigo 10º uma «previsão genérica», de aplicação subsidiária do regime de intervenção de terceiros do CPC (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais administrativos, 2ª ed. pág. 66 e A Justiça Administrativa, 10ª ed. pág. 290, respectivamente). 
A circunstância do processo ser de natureza urgente não é impeditiva da intervenção provocada de terceiros. O problema pode ser discutível nos processos cautelares, embora apenas relativamente ao litisconsórcio necessário passivo, dado o regime especial de integração do contraditório previsto nos artigos 114º, nº 4 e 116º, nº 2, al. a) do CPTA. Mas não no suprimento da ilegitimidade activa dos requerentes da providência ou nos processos principais, como é o caso do processo do contencioso pré-contratual. Nestes casos, a celeridade processual não pode confundir-se com o poder de agir em juízo. Decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 2º do CPTA que a todo o direito corresponde uma acção que seja adequada à sua efectivação perante os tribunais administrativos. Ora, constituiria uma restrição inadmissível à tutela jurisdicional de direitos e interesses legalmente protegidos se não fosse possível o chamamento dos outros co-interessados activos como forma de sanar a violação do litisconsórcio activo. Para que isso não aconteça, quer a lei processual civil quer o CPTA contêm normas destinadas à correcção ou sanação da falta de pressupostos ou condições que permitam o conhecimento do mérito da pretensão formulada. Vejam-se os arts 265, nº 2 e 288º, nº 3 do CPC e os arts. 87º e 88º do CPTA que impõem ao juiz o dever de providenciar para o suprimento dos pressupostos processuais susceptíveis de sanação. 
Na situação dos autos, em que os co-interessados foram inicialmente indicados como contra-interessados e posteriormente chamados para intervirem ao lado da autora, havia condições para que a falta de legitimidade activa fosse suprida. Como estamos em presença de uma situação de litisconsórcio necessário, a acção teria que ser instaurada por todos os associados, sob pena de ilegitimidade (art. 28º, nº 1, do CPC). Mas, ao constatar-se a preterição desse litisconsórcio, devia ter sido proferida decisão a convidar a autora a suprir a ilegitimidade processual, ao abrigo do nº 2 do artigo 88º do CPTA. O facto dos co-interessados já figurarem como contra-interessados não era obstáculo ao suprimento da ilegitimidade activa, uma vez que a autora sempre poderia desistir da instância quanto a eles ou o tribunal declarar a sua ilegitimidade passiva. 
O caminho que foi seguido, declarando-se a ilegitimidade da autora, não só não está em conformidade com o estabelecido nos artigos 87º e 88º do CPTA, como faz uma aplicação das normas processuais que não favorece o acesso ao tribunal (princípio pro actione). Na verdade, de acordo com o previsto no nº 2 do art. 89º do CPTA (no mesmo sentido, o nº 1 do art. 269º do CPC), até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode a autora chamar os associados a intervir. Como a decisão recorrida pôs termo ao processo, esse chamamento pode ocorrer nos 15 dias subsequentes ao trânsito em julgado. Estas normas podem ter aplicação no presente caso, uma vez que não houve despacho de aperfeiçoamento. Ora, se em tal caso a instância, que se encontrava extinta, se renova, será preferível, por razões de economia processual, uma decisão que, logrando igualmente assegurar a ilegitimidade activa, faça prosseguir os autos com a intervenção dos associados da autora.
A essa solução não obsta a atitude dos co-interessados, pois é de todo irrelevante para o efeito de assegurar a legitimidade activa que a posição efectivamente assumida no processo a respeito do fundo da causa por parte de um ou mais dos chamados não coincida com a da autora. Sendo a legitimidade, sem qualquer dúvida, um mero pressuposto processual positivo, uma condição da instância, não da acção – vale por dizer, um requisito cuja existência é essencial para que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa – torna-se evidente que nas situações de litisconsórcio necessário ela está demonstrada a partir do momento em que os vários interessados na relação controvertida são chamados ao processo, independentemente da atitude que depois venham a tomar e que tanto poderá ser de pura e simples abstenção como de adesão total ou apenas parcial à posição do autor ou do réu.
Resulta do exposto, que a decisão recorrida não interpretou e aplicou as normas processuais, designadamente o artigo 88º do CPTA, no sentido mais conforme o princípio constitucional do acesso efectivo à justiça administrativa, promovendo a correcção da petição inicial, na parte em que indicou as associadas como contra-interessadas e possibilitando o suprimento da ilegitimidade activa através da intervenção provocada dos co-interessados. Nesta fase, e perante o incidente de intervenção provocada das associadas no agrupamento, a instância pode ser regularizada oficiosamente com a declaração da sua ilegitimidade passiva como contra-interessadas e a admissibilidade do chamamento à acção como associadas da autora.
4. Pelo exposto, acordam no seguinte:
a) Julgar as contra-interessadas N…, SA, E…, SA e C…, Lda, partes ilegítimas, com a consequente absolvição da instância;
b) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e admitir o chamamento daquelas sociedades como associadas da autora, ordenando-se a baixa do processo para a respectiva citação. 
Custas pelos recorridos.
Notifique-se.
TCAN, 18 de Março de 2011
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Melissa Lam
aluna nº 19903

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