quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Condenação à Prática de Acto Devido


Como sabemos, a figura da condenação à prática de actos administrativos insere-se nas acções administrativas especiais (art. 46º/ 2 a) CPTA) mas para podermos proceder à delimitação desta figura, cumpre distingui-la da impugnação de actos administrativos. Esta acção surge como meio para o particular recorrer de actos administrativos que apresentem vícios de ilegalidade para que, desta forma, esses actos possam ser declarados nulos, anulados ou inexistentes.

No entanto, se o particular não se bastar com a anulação pode ainda recorrer a outro tipo de acto para que a sua posição jurídica seja salvaguardada e regulada, estamos assim a falar da condenação à prática de acto devido.

Nos termos do artigo 66.º CPTA, são referidas duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:

a) Condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;

b) Condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável

Para que possa ser deduzido um pedido de condenação à prática de um acto administrativo, nos termos do art. 67º CPTA, é necessário que o interessado tenha começado por apresentar um requerimento que tenha constituído o órgão competentes no dever de decidir[1].

Cumpre então, antes de mais, explicitar o que se entende por acto devido.

Segundo o Professor Vieira de Andrade[2], o acto devido é aquele que devia ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.

No entanto, o Professor Vasco Pereira da Silva discorda desta posição afirmando que não se deve fazer tal valorização do pedido imediato sobre o pedido mediato e à causa de pedir. Para este autor, a causa de pedir deve também ser considerada, ou seja, é necessário ter uma concepção ampla do processo para que desta forma, o objecto seja a pretensão do interessado, ou melhor, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração (e não o acto de indeferimento).

Esta posição também é defendida pelo Professor Mário Aroso de Almeida que acrescenta que “o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ".

Em suma, o acto administrativo não possui qualquer autonomia, em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado, ele é automaticamente eliminado.

O artigo 71.º CPTA demonstra, pois, que o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido.

Mas voltando ao regime legal, de acordo com o disposto no art. 67º/1 CPTA, a condenação à prática de actos administrativos pode ser pedida em três tipos de situações:

1)      Art. 67º/1 alínea a) – Aqui estamos perante casos em que a Administração tenha sido constituída no dever de decidir mas permaneceu omissa, não proferiu qualquer decisão até expirar o prazo legalmente estabelecido para decidir, incluindo-se aqui casos de incumprimento por parte da Administração.

Em caso de incumprimento do dever de decidir por parte da Administração passa, assim, a ser tratado como a omissão pura e simples, isto é, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido salvo, nos casos específicos em que a lei preveja deferimentos tácitos (art. 108º CPA);

 

2)      Art. 67º/1 alínea b) – Aqui cabem os casos em que a pretensão deduzida pelo interessado é indeferida através da recusa expressa do acto requerido. Sendo que aqui, o objecto do processo não é o acto de indeferimento mas sim a pretensão do interessado;

 

3)      Art. 67º/1 alínea c) – Aqui estão compreendidos os casos em que tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo. Estando aqui compreendidas duas sub-hipóteses: o caso de a recusa poder ser contestada com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou com falta de fundamento normativo.  

Estes requisitos baseiam-se no alcance subjectivista dado ao pedido, destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor. Fora destas situações, o código permite também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos dos particulares, bem como, embora em cumulação com o pedido impugnatório, as de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.

Por fim, é importante saber se todo e qualquer interessado pode pedir a condenação à prática de acto devido. O artigo 68.º CPTA refere as regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação, e neste caso, são partes legitimas para os apresentar:

- Sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);

- Sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende Vasco Pereira da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas. Assim sendo, deve conjugar-se o art. 68.º/º1 b) com o art. 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.

- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, somente quando decorra de um dever que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa (art. 68º/1 alínea c)) a ofensa de um direito fundamental, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.



[1] ALMEIDA, M. AROSO DE, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, págs 316 e ss.
[2] ANDRADE, J. VIEIRA DE, Lições  de Direito Administrativo, 2010
 
AMARAL, D. Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2007

BARBOSA, P., A Acção de Condenação no Acto Administrativo Legalmente Devido, AAFDL, 2007
 
SILVA, V. PEREIRA DA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009

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