Como sabemos, a figura da
condenação à prática de actos administrativos insere-se nas acções
administrativas especiais (art. 46º/ 2 a) CPTA) mas para podermos proceder à
delimitação desta figura, cumpre distingui-la da impugnação de actos
administrativos. Esta acção surge como meio para o particular recorrer de actos
administrativos que apresentem vícios de ilegalidade para que, desta forma,
esses actos possam ser declarados nulos, anulados ou inexistentes.
No entanto, se o particular não
se bastar com a anulação pode ainda recorrer a outro tipo de acto para que a
sua posição jurídica seja salvaguardada e regulada, estamos assim a falar da
condenação à prática de acto devido.
Nos termos do artigo 66.º CPTA,
são referidas duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à
prática de acto devido:
a) Condenação à emissão de acto
ilegalmente omitido;
b) Condenação à emissão de acto
ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior
desfavorável
Para que possa ser deduzido um
pedido de condenação à prática de um acto administrativo, nos termos do art.
67º CPTA, é necessário que o interessado tenha começado por apresentar um
requerimento que tenha constituído o órgão competentes no dever de decidir[1].
Cumpre então, antes de mais,
explicitar o que se entende por acto devido.
Segundo o Professor Vieira de
Andrade[2],
o acto devido é aquele que devia ter sido emitido e não foi, quer tenha havido
uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua
pretensão.
No entanto, o Professor Vasco
Pereira da Silva discorda desta posição afirmando que não se deve fazer tal
valorização do pedido imediato sobre o pedido mediato e à causa de pedir. Para
este autor, a causa de pedir deve também ser considerada, ou seja, é necessário
ter uma concepção ampla do processo para que desta forma, o objecto seja a
pretensão do interessado, ou melhor, o direito subjectivo do particular a uma
determinada conduta da administração (e não o acto de indeferimento).
Esta posição também é defendida
pelo Professor Mário Aroso de Almeida que acrescenta que “o processo de
condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que,
mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo
não se define por referência a esse acto ".
Em suma, o acto administrativo
não possui qualquer autonomia, em caso de procedência do pedido do particular
relativamente ao direito subjectivo lesado, ele é automaticamente eliminado.
O artigo 71.º CPTA demonstra,
pois, que o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação
administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a
existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do
acto devido.
Mas voltando ao regime legal, de
acordo com o disposto no art. 67º/1 CPTA, a condenação à prática de actos
administrativos pode ser pedida em três tipos de situações:
1) Art.
67º/1 alínea a) – Aqui estamos perante casos em que a Administração tenha sido constituída
no dever de decidir mas permaneceu omissa, não proferiu qualquer decisão até
expirar o prazo legalmente estabelecido para decidir, incluindo-se aqui casos
de incumprimento por parte da Administração.
Em caso de
incumprimento do dever de decidir por parte da Administração passa, assim, a
ser tratado como a omissão pura e simples, isto é, como um mero facto
constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de
condenação à prática do acto ilegalmente omitido salvo, nos casos específicos em
que a lei preveja deferimentos tácitos (art. 108º CPA);
2) Art.
67º/1 alínea b) – Aqui cabem os casos em que a pretensão deduzida pelo
interessado é indeferida através da recusa expressa do acto requerido. Sendo
que aqui, o objecto do processo não é o acto de indeferimento mas sim a
pretensão do interessado;
3) Art.
67º/1 alínea c) – Aqui estão compreendidos os casos em que tenha sido recusada
a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo. Estando
aqui compreendidas duas sub-hipóteses: o caso de a recusa poder ser contestada
com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou com
falta de fundamento normativo.
Estes requisitos baseiam-se no
alcance subjectivista dado ao pedido, destinado à satisfação de direitos ou
interesses legalmente protegidos do autor. Fora destas situações, o código
permite também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa
comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos
dos particulares, bem como, embora em cumulação com o pedido impugnatório, as
de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.
Por fim, é importante saber se
todo e qualquer interessado pode pedir a condenação à prática de acto devido. O
artigo 68.º CPTA refere as regras de legitimidade quando estão em causa pedidos
de condenação, e neste caso, são partes legitimas para os apresentar:
- Sujeitos privados: os
indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou
interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);
- Sujeitos públicos: as pessoas
colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não
o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito
administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos
dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas
colectivas, pelo que, tal como entende Vasco Pereira da Silva, não se vê
qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações
inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas. Assim sendo, deve
conjugar-se o art. 68.º/º1 b) com o art. 10º, dando prevalência a factores de
ordem material sobre os de natureza formal.
- Ministério Público (actor
público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, somente quando
decorra de um dever que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular
pedidos de condenação quando esteja em causa (art. 68º/1 alínea c)) a ofensa de
um direito fundamental, de um interesse público especialmente relevante ou de
qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.
[1] ALMEIDA,
M. AROSO DE, Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2010, págs 316 e ss.
[2] ANDRADE,
J. VIEIRA DE, Lições de Direito
Administrativo, 2010
AMARAL, D. Freitas do, Curso de Direito Administrativo,
Almedina, 2007
BARBOSA, P., A Acção de Condenação no Acto Administrativo Legalmente Devido, AAFDL, 2007
BARBOSA, P., A Acção de Condenação no Acto Administrativo Legalmente Devido, AAFDL, 2007
SILVA, V. PEREIRA DA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009
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