domingo, 16 de dezembro de 2012

A impugnação de sanções disciplinares


 A hierarquia administrativa consiste no escalonamento piramidal de um conjunto de órgãos e agentes administrativos pertencentes à mesma unidade de atribuições, em termos tais que cada um dirige a actuação dos seus subalternos e deve obediência aos seus superiores, sendo que o vínculo entre os órgãos e/ou agentes administrativos em causa tem de ser de índole jurídica.

A hierarquia implica uma repartição de competências entre superior e subalterno. O poder disciplinar do superior consiste na possibilidade deste aplicar sanções ao subalterno por violação dos deveres a que se encontra adstrito (note-se os art. 4.º nº 1, 13.º e 14.º do EDTEFP), dependendo de uma tipificação legal e definição de uma pena a aplicar. Neste sentido depreende-se os art. 3.º e 9.º n.º 1 e 2 e 10.º do EDTEFP. Os art. 15.º a 20.º do EDTEFP subsumem as penas a aplicar a determinados factos.

 Assim, como impugnar uma sanção imposta pelo superior hierárquico? O regime consta nos art. 59.º a 65.º do EDTEFP, sendo que o art. 59.º do EDTEFP refere que “os actos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos dos artigos 60.º a 62.º do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente, nos termos dos artigos 63.º a 65.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”. Assim o arguido e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele.

 O direito fundamental à tutela judicial efectiva, consagrado no n.º 4 do art. 268.º da CRP, assegura o direito à impugnação dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, encontrando-se o art. 59.º do EDTEFP em consonância com esta disposição, ao possibilitar a impugnação dos actos proferidos no procedimento disciplinar, podendo tal impugnação ser efectuada no interior da Administração ou em Tribunal (atente-se, também, ao art. 160.º do CPA). Ocorre, assim, uma consagração dos recursos, em sede disciplinar, facultativos. Porém é de notar que, face ao art. 60.º n.º 4 do EDTEFP, é natural que as sanções disciplinares sejam previamente impugnadas administrativamente, devido ao facto da impugnação judicial não ter efeito suspensivo.

 Note-se que as remissões operadas pela norma em análise constituem uma gralha pois dizem respeito a matérias que não estão relacionadas com a materialidade da disposição em apreço. Nota-se, assim, um manifesto lapso do legislador, ainda por rectificar. Deve-se entender que a remissão para o CPA visa os art. 166.º a 177.º, supletivamente aplicáveis ao regime previsto nos art. 60.º a 63.º do EDTEFP. A remissão operada para o CPTA deve reportar-se aos seus art. 50.º e seguintes, supletivamente aplicáveis aos art. 63.º a 65.º do EDTEFP, e ao art. 274.º do RCTFP. Note-se, ainda, que, a circunstância do art. 59.º do EDTEFP remeter para o CPTA a matéria da impugnação dos actos proferidos no procedimento disciplinar, não invalida que, em determinadas situações, perante a ilegal omissão ou recusaa da prática do acto devido naquele procedimento, se possa configurar a admissibilidade do recurso de uma acção de condenação à prática do acto devido.

 O recurso “interpõe -se directamente para o membro do Governo no prazo de 15 dias contados da notificação do despacho ou da decisão” ou de 20 dias contados da publicação do aviso, no Diário da República, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 49.º (art. 60.º n.º 2 do EDTEFP), ocorrendo um método subsidiário de contagem dos prazos no n.º 3 do art. 60.º n.º 3. O recurso hierárquico ou tutelar tem um efeito suspensivo sobre a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, “excepto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público”, nos termos do art. 60.º n.º 4 do EDTEFP, podendo o Governo revogar a decisão de não suspensão ou tomá-la quando o autor do despacho ou da decisão recorridos não o tenha feito (art. 60.º n.º 5 do EDTEFP). Há que tomar em consideração o expresso pelo n.º 6 do art. 60.º do EDTEFP que refere que “nas autarquias locais, associações e federações de municípios, bem como nos serviços municipalizados, não há lugar a recurso tutelar”.

 Assim, quando tenha sido jurisdicionalmente anulado ou declarado nulo ou inexistente o acto de aplicação das penas de demissão, de despedimento por facto imputável ao trabalhador ou de cessação da comissão de serviço, esta quando seja acessória daquelas ou, em qualquer caso, quando o trabalhador não seja titular de relação jurídica de emprego público constituída em diferente modalidade, o órgão ou serviço é condenado: a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; ao pagamento de uma compensação ao trabalhador; e à reconstituição da situação jurídico-funcional actual hipotética do trabalhador, sendo que no caso do pagamento de uma compensação ao trabalhador o trabalhador tem direito a receber a remuneração que deixou de auferir desde a data de produção de efeitos do acto de aplicação da pena até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional, deduzindo-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação da relação jurídica de emprego público e que não receberia se não fosse a pena aplicada (art. 64.º n.º 1, 2 e 3 do EDTEFP). No entanto, “o montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido pelo trabalhador é deduzido na compensação, devendo o órgão ou serviço entregar essa quantia à segurança social” (art. 64.º n.º 4º do EDTEFP), devendo-se ter ainda em conta o disposto no n.º 5.º do art. 64.º do EDTEFP.

O art. 64.º tem como ratio a determinação dos actos e das operações em que deve consistir a execução das sentenças anulatórias das referidas penas disciplinares. No entanto, esta norma nada acrescenta ao art. 173.º do CPTA.


António Almeida
Aluno nº 18025

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